7.30.2010

Pós Meditação

Algumas pessoas pensam que, se meditarem por quinze minutos a cada dia, deverão se iluminar em uma semana e meia. Mas as coisas não funcionam assim. Mesmo se você meditar, rezar e contemplar durante uma hora por dia, isso representa uma hora em que você medita contra 23 em que não medita. Quais seriam as chances de uma pessoa contra 23 em um cabo-de-guerra? Um puxa para um lado e 23 para o outro — quem vai ganhar?




Não é possível mudar a mente com uma hora de meditação diária. Você tem que prestar atenção a seu processo espiritual ao longo de todo o dia, enquanto trabalha, joga, dorme; a mente precisa estar sempre se direcionando para a meta final da iluminação.



Quando você estiver imerso nas coisas do mundo, conserve sua mente naquilo que está fazendo. Se estiver escrevendo, mantenha a mente no tracejar da caneta. Se estiver costurando, concentre a mente em cada ponto. Não se deixe distrair. Não pense em cem coisas ao mesmo tempo. Não fique viajando no que aconteceu ontem ou no que pode acontecer no futuro.



Não importa tanto o que você esteja fazendo, desde que concentre a mente e fique com aquilo que se propõe a fazer. Permaneça junto da tarefa, procurando estar confortável em relação ao que está fazendo e, desse modo, você treinará a mente.



Sempre se observe de forma minuciosa, reduza os pensamentos, palavras e comportamentos negativos, e aumente aqueles que são positivos. Pense com cuidado e constantemente refaça seu foco, pois você pode ficar com a mente nublada com muita facilidade. O que a meditação produz é um constante ajuste do foco. Você tem que trazer de volta a intenção pura, vez após vez. E então, relaxe a mente para permitir um reconhecimento direto e sutil daquilo que está além de todo o pensamento.



Chagdud Tulku Rinpoche (Tibete, 1930 – Brasil, 2002)

“Portões da Prática Budista“, parte 2

7.22.2010

B o n d a d e f u n d a m e n t a l

B o n d a d e f u n d a m e n t a l




Chögyam Trungpa


O propósito de dharma/arte é superar a agressão. [...] se nossa mente está preocupada com a agressão, não pode funcionar da maneira adequada. Por outro lado, se nossa mente está preocupada com a paixão, existem possibilidades. Na verdade, o talento artístico está de alguma maneira relacionado com o nível da paixão, ou com o intenso interesse pela qualidade intrigante das coisas. A curiosidade é exatamente o oposto da agressão.




O Sol do Grande Leste representa a noção de despertar e também as noções de energia, luminosidade e brilho. Basicamente, essas qualidades representam o estado fundamental da mente que um artista deveria ter. Ele deveria ter esse tipo de visão e esse estado de ser; do contrário, surgem muitos problemas e dificuldades. No início, a visão do Sol do Grande Leste é muito preto no branco. Quando o sol brilha, é branco; quando o sol não brilha, é preto. Temos de abandonar nossa ideia de sermos indulgentes ou preguiçosos com a possibilidade de algo simplesmente ocorrer em nossa experiência. Obviamente, existe espaço para uma mente aberta na visão do Sol do Grande Leste, na medida em que esse é fundamentalmente um estado da mente no qual estão envolvidos o despertar, a iluminação e a mente aberta. No entanto, para termos uma mente aberta, temos de abrir muito os olhos, não apenas olhar para os lados de relance, olhando para as coisas com os olhos semicerrados.



Essa é uma questão muito importante: se temos uma mente e olhos completamente abertos, podemos ser mais discriminativos, e julgar a situação adequadamente. Somos capazes de dizer sim para certas coisas e não para outras. Na verdade, é bem possível que possamos nos abrir ainda mais, apresentando-nos e agindo na situação. Dessa maneira, desde que saibamos seus perigos e méritos, mesmo assuntos questionáveis poderiam ser incluídos. Então, é muito importante que o artista tenha essa primeira mente, ou mente artística, que do ponto de vista do Sol do Grande Leste é desperta, e não semi-adormecida. Se estamos despertos e neste exato momento, então podemos fazer malabarismos com as coisas. Isso é sanidade e abertura fundamentais.



Tendo visto a visão do Sol do Grande Leste de uma perspectiva completamente desperta, podemos começar a desenvolver a não-agressão. Comumente, tentamos tirar vantagem do mundo — explorar nosso mundo ou massacrá-lo. Temos em relação a nosso mundo precisamente a mesma atitude que temos com as vacas. Tomamos seus bezerros e exploramos as mães para fazer manteiga e queijo — se elas sobreviverem o bastante. E, se elas não produzem nada, ou até mesmo se apenas dão a impressão de que não produzirão nada, nós as massacramos e as comemos. Essa é uma expressão de agressão, que é a versão do sol poente de como vemos nosso mundo — e também de como vemos a arte. Se uma obra de arte é engraçada e produtiva, seguimos em frente; no entanto, se não é, desistimos dela e mudamos para um assunto diferente. Então, aparentemente a não-agressão é muito importante.



O que nos torna cegos? A agressão torna-nos cegos, de maneira que não podemos criar dharma visual. O que nos torna surdos? A agressão cria a surdez, portanto, não podemos produzir dharma auditivo. E, por causa da agressão, o toque do dharma, o odor do dharma ou o sabor do dharma também não podem ser produzidos. Quando estamos tensos, estamos sendo agressivos. Estamos tão insatisfeitos com nós mesmos, nosso mundo e nosso trabalho que começamos a sentir que nada tem valor. Ou pelo menos sentimos que algumas coisas não têm valor, enquanto outras podem ter algum. Prestamos atenção e consideramos as coisas tão pessoalmente que, quando qualquer negatividade acontece em nossa vida, nos tornamos agressivos e tensos. No geral, poderíamos dizer com bastante confiança que a agressão nos faz cegos e surdos, e não podemos produzir uma obra de arte, sem falar em qualquer outra coisa. Não podemos conduzir nossa vida. A agressão torna-nos surdos-mudos, e transformamo-nos em vegetais. A agressão pode produzir uma assim chamada obra de arte extraordinária, mas a arte produzida dessa maneira polui o mundo, em vez de produzir algo refrescante e saudável.



O propósito de dharma/arte é tentar superar a agressão. De acordo com a tradição budista vajrayana, se nossa mente está preocupada com a agressão, não pode funcionar da maneira adequada. Por outro lado, se nossa mente está preocupada com a paixão, existem possibilidades. Na verdade, o talento artístico está de alguma maneira relacionado com o nível da paixão, ou com o intenso interesse pela qualidade intrigante das coisas. A curiosidade é exatamente o oposto da agressão. Experimentamos a curiosidade quando existe um sentido de querer explorar cada canto e descobrir cada possibilidade da situação. Ficamos tão intrigados pelo que experimentamos, vimos e ouvimos que começamos a esquecer a agressão. Imediatamente, nossa mente está à vontade, seduzida por uma paixão maior.



Quando estamos em um estado apaixonado, começamos a gostar do mundo, e começamos a ser atraídos por certas coisas — o que é bom. Obviamente, tal atração também acarreta a possessividade e algum sentimento de territorialidade, que vem depois. No entanto, diretamente, a paixão pura — sem gelo, sem água, sem soda — é boa. Pode ser bebida; é também alimento; podemos viver dela. É bem maravilhoso que tenhamos a paixão, que não sejamos feitos somente de agressão. É algo como uma graça salvadora que possuímos, o que é fantástico. Deveríamos ser gratos à visão do Sol do Grande Leste. Sem a paixão, não poderíamos experimentar nada; não poderíamos lidar com nada. Com a agressão, temos maus sentimentos a respeito de nós mesmos: ou nos sentimos tremendamente íntegros, de modo que somos os únicos que estão certos, ou nos sentimos irritados porque alguém está nos destruindo. Isso é patético. Impede-nos de ver a bondade fundamental.



A bondade fundamental é como um arranjo floral, que possui seu próprio contraste e seu próprio sentido de todo. É um todo completo, e ao mesmo tempo convidativo e destemido. Tal arranjo floral é um produto da bondade fundamental, se é possível dizer isso. Ele se mantém como um todo. Não há premeditação; apenas está reunido no exato momento — bondade fundamental. Por exemplo, hoje fui para as montanhas colher alguns galhos e esta árvore estava lá, apenas esperando para ser colhida. Quando a vi, disse: “Ah! É esta”. Tivemos de trabalhar na árvore um tanto para poder transportá-la, mas isso também é uma expressão da bondade fundamental, de como as coisas se mantêm juntas. A bondade fundamental combina as qualidade do céu, da terra e do homem: a bondade fundamental do céu, a bondade fundamental do homem e a bondade fundamental da terra estão todas envolvidas ao mesmo tempo. A bondade fundamental inclui a generosidade e a coragem. Existe também uma noção de que as coisas são circulares. É como o princípio do mandala, no sentido em que cada coisa atua junto com todos os outros elementos, que é a razão pela qual o todo mantém-se junto tão bem. E nós mesmos começamos a sentir isto, que a bondade fundamental existe em nós. Portanto, não temos medo de nosso mundo, não ficamos deprimidos com nosso mundo. Sentimo-nos muito bem.



Sentimo-nos bem com a obra de arte particular que estamos fazendo, e começamos a ter outras ideias. Algumas pessoas tentam forçar as ideias, como se estivessem constipadas, sentadas no vaso sanitário, olhando de vez em quando para o papel higiênico, desejando que algo apareça. Quando os artistas fazem isso, o resultado é muito tímido e técnico. Eles sempre fazem alusão a tecnicidades e tentam produzir algo a partir delas — no entanto, não se sentem realmente bem com o todo. O que estamos falando aqui é o oposto disso. Não é exatamente como ter uma diarreia, mas há algum tipo de fluxo livre, no qual temos a confiança de que podemos de fato produzir ideias. Podemos não ter ideias no início, mas podemos chegar a algumas no meio do caminho. Se não temos nenhuma ideia no meio do caminho, ou se sentimos que todas as nossas ideias se foram, então fazemos uma pausa breve, quase como se estivéssemos desistindo. Então o Sol do Grande Leste se levanta em nossa mente. Isso não é apenas uma ideia — é algo que de fato acontece em nosso estado mental.



A bondade fundamental está relacionada à generosidade e a um sentimento de confiança em nós mesmos. Quando esse sentimento de confiança irrompe, desenvolvemos o que é conhecido como harmonia. Se não existir confiança, então não haverá harmonia. Tudo bem se dissermos que tudo está em harmonia e que deveríamos trabalhar isso; no entanto, isso são apenas palavras ocas, dizer que algo deveria ser feito, ao passo que ninguém de fato faz nada. Isso me faz lembrar de certas conferências religiosas das quais participei. A primeira foi uma conferência sobre a harmonia, e ocorreu em Nova Delhi enquanto eu vivia na Índia. Então houve pequenas conferências sobre a harmonia na Califórnia. Convidaram rabinos, bhikshus, sacerdotes, toda a gangue. Todos falavam sobre a harmonia, mas não encontravam nenhuma harmonia naquele exato instante. Embora estivessem falando sobre a harmonia, não havia nenhum resultado. Nada acontecia, absolutamente nada! As pessoas vieram à conferência e foram embora iguais. Mas, ao voltarem, diziam: “Participamos de uma conferência sobre a harmonia; portanto, nossa organização se fortaleceu”. No entanto, como isso seria possível? Isso é muito triste. Isso beira o sol poente, e não é sequer sofisticado, mas um sol poente primitivo.



A harmonia tem de estar relacionada a algum sentido saboroso e rico. Esse é um aspecto da harmonia. O outro aspecto é um sentido de espaço e abertura. O lado saboroso tem quase as qualidades de uma mãe judia: é repleto, rico, com muita coisa sobre a mesa, por assim dizer. A abertura e o sentido de espaço são como uma casa japonesa, onde as coisas são muito esparsas. Não há móveis grandes, nenhum sofá vitoriano, somente esteiras. Quando dormimos, dormimos tendo como travesseiro um bloco de madeira ou mesmo uma pedra. Então, a verdadeira harmonia é a casa judaica e a casa japonesa convenientemente reunidas. Tecnicamente, poderíamos chamar isso de lar de Shambhala, ou lar do Sol do Grande Leste. E o mesmo tipo de harmonia poderia ser verdadeiro também em nossas obras de arte.



Quando tal harmonia acontece da maneira adequada e por completo, existe também alegria — pela simples razão de que não estamos lutando para criar harmonia. Dessa maneira, estamos também criando uma sociedade iluminada, que somente pode existir com esse sentido de harmonia e curiosidade e tudo o que discutimos. É nosso dever criar uma sociedade iluminada através de obras de arte e de nossa sanidade. E, obviamente, a prática da meditação é muito importante. Assim, em nome do céu, da terra e do homem, faço uma reverência.


http://magazine.dharma.art.br/2009/06/bondade-fundamental-chogyam-trungpa/

A verdadeira intimidade do Zen

A verdadeira intimidade do Zen


John Pappas




O coração íntimo e pessoal do Zen bate audível em Jakusho Kwong-roshi, e ele compartilha esse estrondo vindo da terra com seus alunos, próximos ou distantes. Sentimos sem escolha essa mesma força, esse mesmo ímpeto que conduz Roshi. Diferentemente da batida dos tambores de guerra ou da marcha uniforme dos coturnos dos soldados, essa batida é completamente orgânica e imutável. O estrondo do Zen não submerge os sons ao nosso redor, do mesmo modo como a meditação em silêncio não apazigua o ambiente. Ele se torna parte da cacofonia do trânsito das cidades — do canto dos grilos — do choro das crianças. O Zen de Roshi não subjuga o sabor de nossa vida. Não é uma fuga. Ele é o sabor de nossa vida.




A melhor expressão do Zen não é nada além da experiência desta vida e deste momento. A sabedoria é cultivada e alimentada pela meditação e pela atenção, simples e determinada. Sem níveis ou categorias, progresso ou medida, embelezamentos ou poderes, sem princípio nem fim, o shikantaza é a prática derradeira de experimentar a simplicidade do silêncio do agora. Os únicos sons de nossa luta são o movimento da respiração e a batida do coração.



Educado por um pai exigente e rigoroso, um tradicional médico chinês que vivia em uma região não asiática da Califórnia, Kwong-roshi foi submetido a uma disciplina rígida e a uma educação estoica. Em meio a essa rotina exigente, Kwong-roshi começou a explorar a liberdade e o oásis temporário da arte, mergulhando no Zen dos Beats.



Quando frequentava o San Jose State College, Kwong-roshi teve uma dupla experiência do despertar: ao encontrar Laura, sua alma gêmea e futura esposa, e ao sofrer um acidente de carro que o levou a afastar-se da vida acadêmica e a mergulhar em sua prática zen. Essa prática era na época moldada pelo estereótipo beat de uma iluminação boêmia e de uma vida sem preocupações. Distanciando-se da infância rigorosa e estoica, e ainda mais distante da prática estrita e formal da escola Soto-Zen que em breve o definiria, Kwong-roshi continuou sua exploração da ênfase romântica que a Geração Beat dava à iluminação, kensho, ignorando por completo a prática rotineira e diária que caracterizaria as futuras gerações de praticantes zen nos Estados Unidos.



Kwong imaginava encontrar tradicionais esteiras de bambu e fileiras de almofadas de meditação (zabutons e zafus) alinhando-se no centro zen de Shunryu Suzuki, mas o que viu foram apenas fileiras de bancos de igreja em um prédio decadente. O que Kwong pensou consigo próprio era que aquilo lembrava as escolas dominicais, e, quando Suzuki-roshi entrou na sala, “fiquei pensando como aquilo era muito formal. Ele olhou para mim e nem mesmo me virei para retribuir. Meu ego era enorme. Esperei que chegasse ao altar, mas quando olhei estava apenas arrumando as flores, e disse para mim mesmo: ‘Isso é muito formal’ ”. Em contraste direto com a Geração Beat, a ênfase que o Zen formal dava ao rotineiro e ao ritual era vista como excêntrica e falsa. Mas a natureza compassiva de Suzuki-roshi e sua mente zombeteira logo começaram a atrair e converter mais Beats para a prática formal — uma prática na qual a liberdade é conquistada primeiro pela atenção à forma e à disciplina.



O Zen excêntrico da comunidade monástica era confinador e implacável, quando comparado ao Zen fluido e não ortodoxo da Geração Beat. No entanto, o que constitui um Zen excêntrico? É o ritual estoico dos centros e mosteiros zen que torna excêntrica uma prática e a destitui de sentido? O ritual vazio e o incenso rançoso de costumes em decadência servem apenas para confinar e sufocar a liberação e a liberdade? A adesão estrita à forma fornece um horizonte falso com o qual o praticante se mede. Como se espreitássemos pela proa de um navio com a esperança de vislumbrar uma costa distante, tudo o que alcançamos é uma tênue fileira de nuvens que fornece a forma e o contorno de montanhas e vales — um oásis vazio em um deserto silencioso.



O Zen excêntrico da Geração Beat era livre e irrestrito quando comparado à disciplina e ao ritual monásticos. Loucos e espontâneos, os Beats recusavam a forma e não criaram nenhuma ilusão de estrutura. Mas, sem vigor ou sem uma estrutura, os salões e cafés ofereceriam apenas um nevoeiro de fumaça e regozijo que parodiava a liberação. A verdadeira liberação não é finita, nem pode ser atingida apenas pela compreensão espontânea. Exige disciplina da mente e do corpo. É ao sentar-se em silêncio que um praticante conduz o bote para a outra margem. E não a dança de marinheiros embriagados em torno de uma embarcação à deriva.



O Zen não tem nada a ver com a prática rígida dos mosteiros, nem com a espontaneidade dos Beats. Cultivar o dharma requer grande empenho, grande fé e grande dúvida. As sementes podem ser plantadas pela confusão, pela mudança e pelo desespero, ou pela alegria, pela liberdade e pela estase. Genjoji, ou “O Caminho da vida Cotidiana”, templo de Kwong-roshi, invoca o estilo particular de ensinar de Kwong-roshi, assim como a verdadeira prática do Zen — o empenho honesto e uniforme. Simples, rígido e forte. É quando aprendemos que a batida de nosso próprio coração, acalmada pela prática, corresponde à batida do coração tanto da disciplina monástica como da liberdade Beatnik que transcendemos a ilusão e entramos na prática.



Então aprendemos a verdadeira intimidade e o verdadeiro Zen.



Nas palavras de Kwong-roshi:



“Quando cultivamos nossa compreensão e nos tornamos conscientes do que estamos fazendo, e de fato vemos o que está acontecendo em nós mesmos e ao nosso redor [...] não temos de esperar até conseguirmos sentar em lótus completo, ou até que pratiquemos por dez ou vinte anos, como se somente então algo fosse acontecer. Alguns de nós se sentam com as pernas cruzadas, outros em meio lótus, outros em lótus completo, outros em estilo birmanês ou em uma cadeira. Essas são apenas visões diferentes de uma mesma lua. Algumas pessoas pensam que uma forma é melhor do que outra, mas isso não é verdade. Somos realmente como a lua: qualquer quantidade de luz cria um halo completo.” (Kwong-roshi, Nenhum começo, nenhum fim: o coração derradeiro do Zen [No beginning, no end: the ultimate heart of Zen])

http://magazine.dharma.art.br/2010/04/celebracao-e-compromisso/

Jakusho Kwong-roshi e Chögyam Trungpa

Jakusho Kwong-roshi e Chögyam Trungpa


Bill Scheffel



Herdeiro no dharma de Shunryu Suzuki-roshi, Jakusho Kwong-roshi, que no passado teve o nome de Bill Kwong, fundou o Sonoma Mountain Zen Center em 1973. Ao longo de seu caminho, essa fundação exigiu tenacidade e coragem consideráveis, ocorreu através de uma série de acidentes, desafios, uma luta contra um câncer nos testículos e, sem dúvida, pelas bênçãos inexoráveis de Dōgen e de outros precursores do Soto-Zen. Shinko, esposa de Kwong-roshi (que no passado teve o nome de Laura), também desempenhou um papel essencial nessa fundação, um projeto realizado centavo por centavo, com uma grande horta orgânica e muito trabalho, árduo, disciplinado e ao mesmo tempo alegre. Roshi e Shinko criaram uma família com quatro rapazes na casa adjacente ao centro zen. Igualmente impressionante, mantiveram-se firmes, simplesmente administrando o centro zen década após década, com um pequeno grupo de residentes, com a cozinha sempre abastecida, a horta crescendo, a biblioteca aberta e, é claro, praticando no zendo todos os dias, começando às 5 da manhã com o serviço matinal e o zazen.



É bem sabido que o Zen inclui esse tipo de trabalho duro. Dar atenção às tarefas necessárias e mundanas da vida diária (com humor!) é uma expressão de amor, uma invocação dos dralas, e também o caminho de Dōgen, o fundador da escola Soto-Zen, que esboçou regras não apenas para o zendo como também para banheiros e cozinhas. É fácil notar como o Sonoma Mountain Zen Center segue os conselhos transcendentais e comuns de Dōgen mesmo quando todo o aparato está ocioso. Se a cozinha está vazia, isso também significa que ela está limpa, na medida em que nunca se deixa a louça para ser lavada no dia seguinte; ao comer, todos — incluindo Roshi e Shinko — lavam, enxugam e guardam o que usaram até que todas as tigelas estejam empilhadas, todos os escorredores, impecáveis.



Todas as suas soluções ainda contêm problemas.

Nos momentos em perigo em um navio à deriva

Repentinamente vemos seus olhos sobre nós.

Embora não nos aprovem inteiramente tal como somos,

Mesmo assim estão de acordo conosco.



Kwong-roshi costuma citar o caminho do mestre Zen, “Um engano contínuo” (outra forma de solução que ainda contém problemas). Kwong-roshi talvez tenha recebido um bote salva-vidas maior do que a maioria de nós; afinal, foi escolhido para ser um herdeiro no dharma — o que é um privilégio e um incentivo! Suzuki-roshi deve ter enxergado em Bill Kwong alguém que não tinha o interesse de desperdiçar sua vida. Então atirou para ele aquele bote salva-vidas, aquela pedra de moinho. Chögyam Trungpa surgiu muitas vezes na vida de Kwong-roshi como se dissesse: “Você pode carregá-lo, você pode flutuar”. Aos 72 anos, Kwong-roshi é alguém que devemos procurar se queremos ver essa qualidade genuína, esse humor, essa coragem em ação.

http://magazine.dharma.art.br/2010/04/celebracao-e-compromisso/

Trad. Carlos A. Inada

7.08.2010

peregrinação

Peregrinação – Dai Eki






Procurando a primavera o dia todo,

não a encontrei.

Apoiando-me em meu bastão,

atravessei montanhas e montanhas,

e voltando para casa

segurei um galho de ameixeira.

Ali a encontrei: florescia em sua ponta



Dai Eki

poeta chinês do período Sung (960-1279)