9.14.2011

Kodo Sawaki

“Antes que eu penetrasse no Zen,

as montanhas nada mais eram senão montanhas

e os rios nada a não ser rios.

Quando aderi ao Zen,

as montanhas não eram mais montanhas

nem os rios eram rios.

Mas, quando compreendi o Zen,

as montanhas eram só montanhas

e os rios, só rios”



(Sentença Zen)







O grande mestre espiritual, Thomas Merton (1915-1968), dizia que o Zen é “uma das mais misteriosas de todas as espiritualidades”. Mais que uma filosofia ou religião, o Zen é uma “trama existencial”, uma disposição particular, de fundo, com respeito à vida e ao tempo. Trata-se de um modo peculiar de proceder, eminentemente prático, que envolve uma atenção singular ao real, à vida, em toda a sua tessitura concreta e existencial, e a todo instante. Está profundamente vinculado às atividades do dia a dia, descortinando uma “percepção plena do dinamismo e da espontaneidade da vida”.



São muitos os místicos e mestres Zen que animaram a nossa trajetória civilizacional, apontando rumos diferenciados que envolvem delicadeza, cuidado e generosidade. Um dos importantes nomes dessa tradição espiritual foi Kodo Sawaki (1880-1965), conhecido como um “mosteiro itinerante”. Viveu a experiência da impermanência (mujo) desde cedo, tendo perdido os pais em tenra idade. Veio adotado por Sawaki, um irmão de sua mãe, daí a derivação de seu nome, que veio depois acrescentado de Kodo, adquirido por ocasião de sua ordenação como monge. Um nome bem apropriado para o pequeno mestre. Kodo significa “sem casa”. De fato, essa condição de “impermanência” o acompanhou durante toda a sua vida. Afirmava não necessitar de casa, templo, títulos ou mulheres. Nem mesmo de iluminação (satori). A itinerância era a sua morada. Foi um mestre singular, que acolhia, indistintamente, a todos que o procuravam, e tinha o dom da palavra. Ele dizia: “Falo sempre com força e com todo o coração. Em cada palavra ou frase a minha mente e o meu corpo, a minha carne e o meu sangue revelam-se completamente”.



Sua grande inspiração veio de Eihei Dôgen (1200-1253), fundador do Soto Zen no Japão. Para Dôgen, a prática do Zazen (meditação sentada) era a porta da real compreensão do caminho espiritual (Dharma). Dizia a seus discípulos: “Muitos imaginam que é a multiplicação das imagens do Buda ou a elevação de templos que favorecem a expansão do Caminho. Trata-se de um grave erro. Uma choupana ou a sombra de uma árvore são suficientes para a prática do Zazen”. Visando orientar seus discípulos, escreveu entre os anos 1231 e 1253, uma das mais célebres obras de espiritualidade, o shôbôgenzô (o tesouro da visão do verdadeiro dharma). O horizonte almejado era o Dharma de Buda, que se revela em todas as coisas. Escrevia a respeito Dôgen: “Na grande via do Dharma de Buda, um só grãozinho de pó contém todos os sutras do universo”. Esse foi o mestre que pontuou toda a trajetória de Kodo Sawaki. E os mestres são fundamentais para o exercício de realização do Dharma, como o próprio Dôgen reconhecia: “Se não encontras um verdadeiro mestre, é melhor não estudar com efeito o budismo”. É o mestre que favorece a escuta do verdadeiro Dharma.



Na trilha aberta por Dôgen, Kodo Sawaki segue o seu caminho, marcado por um significativo lema: viver a vida cotidiana. Trata-se de um lema recorrente no budismo Zen. Outro dos grandes mestres desta tradição budista, Lin Chi, que morreu no ano de 867, dizia num de seus discursos que não há nada de extraordinário a ser cumprido no budismo, senão viver simplesmente a vida. Em mesma linha de sintonia, dirá o conhecido mestre Daisetz Teitaro Suzuki, um dos introdutores do Zen no Ocidente: “O Zen é viver, o Zen é a vida e viver é Zen”. Num dos ditos clássicos da tradição Zen, de autoria de Wou-men (Wou-men-kouan – Passe sans porte), afirma-se que “o coração cotidiano é o Caminho”. É o rastro que seguiu Sawaki em sua existência e prática, levar a vida com consciência e atenção. Mediante a prática contínua do Zazen, desvendar a maravilha do cotidiano, vivido com gratuidade (mushotoku) e respeito. Para ele, a razão da vida não estava em acumular conhecimentos, mas na atenção diuturna e cuidadosa diante do mistério apresentado a cada momento ao olhar humano. Dizia: “Os homens multiplicam conhecimentos, mas penso que o fim almejado está em poder sentir o som dos vales e olhar as cores da montanha”.



Na tradição budista, todo o acento recai na realidade fenomênica. A reverência feita a uma camélia em flor tem a mesma densidade espiritual que outros atos religiosos como a inclinação feita aos budas. Como mostrou acertadamente, Toshihiko Izutsu, em sua reflexão sobre a filosofia do zen budismo, “o mundo fenomênico não é só a ordem das coisas sensíveis que aparece ao ego empírico ordinário, mas na consciência zen ele vem dotado de uma espécie particular de poder dinâmico que poderia ser adequadamente indicado com o verbo VER”. Desvela-se um olhar que descortina uma dimensão excepcionalmente elevada, para além da atividade discriminante traduzida pelo intelecto relativo do ser humano encerrado na limitada esfera da experiência comum e ordinária. As montanhas manifestam-se como montanhas e os rios como rios.



A verdade está aí, no alcance da visão. Basta saber ver. Ela está em todo canto e em cada coisa. Essa era uma máxima seguida com rigor por Sawaki. A prática do Zazen facultava a educação desse olhar, capaz de captar a profunda unidade que liga o ser humano a todo o universo e a todo o criado. No Zazen deixa-se abandonar o corpo e a mente (shin jin datsu raku), facultando-se o “fluir com a infinita luminosidade” que a todos sustenta. É o caminho que faculta o acesso à subjetividade elemental, à pura subjetividade, para além das dicotomias entre sujeito e objeto. Este deixar cair corpo e mente, na prática do “só-Zazen”, não significa um abandono ou exclusão da existência histórica e social. Esse é um equívoco que deve ser extirpado. Na verdade, o Zazen verdadeiro situa o ser humano ainda mais fundo no seu cotidiano, colocando em ação um modo singular de ser no mundo, facultando a “encarnação auto-criativa e auto-expressiva da natureza-de-Buda”. A consciência de “impermanência” não leva de forma alguma a uma perspectiva de fatalismo ou pessimismo diante da vida, mas a uma “vitalidade sempre maior na busca do Caminho”.



O horizonte apontado por Kodo Sawaki é o mesmo indicado por Dôgen em seu shôbôgenzô: o abandono de si e a doação aos outros. Há que romper todos os apegos e viver a profunda dinâmica da gratuidade, sem finalidade ou escopo (mushotoku). E estar sempre a caminho, sem morada fixa, com o olhar aberto e atento ao mundo da alteridade. Num dos fascículos de seu clássico trabalho, Dôgen asseverava: “Compreender o Caminho de Buda é compreender a si mesmo (jiko); compreender a si mesmo é esquecer a si mesmo; esquecer a si mesmo é deixar-se abrigar por todas as coisas (banpô ni shô seraruru) (...)”. Em profunda sintonia com a perspectiva kenótica proposta por Dôgen, Kodo Sawaki reconheceu de forma profunda como o reconhecimento da impermanência de todas as coisas gera gratuidade e doação. Como sublinhou Gianpetro Fazion, em bela obra sobre o Zen de Kodo Sawaki (Roma, 2003), a “ampla visão da impermanência e do sofrimento universal (duhkha), profundamente penetrada pelo olhar de Buda, favoreceu-lhe (a Sawaki) a capacidade de partilhar uma compaixão amorosa por todas as formas de vida”. Num dos ditos de Sawaki, ele sublinha: “Se alguém abandona o próprio ego, sem pensar em si mesmo, se ele serve, e se devota aos outros, ainda que através de pequenas coisas, como cozinhar na manhã, isto é verdadeiramente grande”. A nobreza verdadeira está justamente nesses pequenos detalhes do cuidado, da delicadeza e do serviço aos outros.



Kodo Sawaki foi um grande mestre Zen, mesmo sem a cobertura de uma formação acadêmica tradicional. Tinha apenas o diploma da escola elementar. Sua linguagem era simples, forte e direta, nutrida pela permanente prática do Zazen. Muitos passaram por sua escola, entre os quais Taisen Deshimaru, que introduziu o Zen na França, no final dos anos 1960. De seus traços espirituais, brilha de forma especial a dinâmica da gratuidade absoluta. Seus ditos guardam uma sabedoria exemplar, como o que segue: “A vida é complicada. Há momentos, como na guerra, onde o fogo cai do céu, e outros onde podemos adormecer, aconchegados, junto à lareira. Há períodos nos quais necessitamos trabalhar mesmo de noite, e outros em que se pode beber o sakê. Buscar realizar essa vida, mediante o ensinamento de Buda, isto é o budismo”.



Ao final da vida, já aos 85 anos, voltou seu olhar para o monte Tagakamine. Esse monte tinha sido objeto de suas observações durante muito tempo, mas agora seu olhar voltava-se para ele com particular intensidade. Ele agora o Via, e parecia indicar a presença do empíreo. Três dias antes de sua morte, no mês de dezembro de 1965, pediu que abrissem a janela de sua cela e disse: “Olha a montanha. A natureza é grande, enquanto os homens ocupam-se de pequenas coisas: em toda a minha vida não encontrei um modo de admirá-la completamente. Mas aquela Tagakamine me observa, do alto de sua grandeza, e parece dizer: ´Kodo, Kodo!`”.

9.13.2011

“Essentials of Spontaneous Prose” (1958)

“Essentials of Spontaneous Prose” (1958)


SET-UP The object is set before the mind, either in reality, as in sketching (before a landscape or teacup or old face) or is set in the memory wherein it becomes the sketching from memory of a definite image-object.

PROCEDURE Time being of the essence in the purity of speech, sketching language is

undisturbed flow from the mind of personal secret idea-words, blowing (as per jazz musician) on

subject of image.

METHOD No periods separating sentence-structures already arbitrarily riddled by false

colons and timid usually needless commas but the vigorous space dash separating rhetorical

breathing (as jazz musician drawing breath between outblown phrases) “measured pauses which

are the essentials of our speech” “divisions of the sounds we hear” “time and how to note it

down.” (William Carlos Williams)

SCOPING Not “selectivity” of expression but following free deviation (association) of

mind into limitless blow-on-subject seas of thought, swimming in sea of English with no discipline

other than rhythms of rhetorical exhalation and expostulated statement, like a fist coming down

on a table with each complete utterance, bang! (the space dash)Blow as deep as you

wantwrite as deeply, fish as far down as you want, satisfy yourself first, then reader cannot fail

to receive telepathic shock and meaning-excitement by same laws operating in his own human

mind.

LAG IN PROCEDURE No pause to think of proper word but the infantile pileup of

scatological buildup words till satisfaction is gained, which will turn out to be a great appending

rhythm to a thought and be in accordance with Great Law of timing.

TIMING Nothing is muddy that runs in time and to laws of time Shakespearian stress of

dramatic need to speak now in own unalterable way or forever hold tongue no revisions (except

obvious rational mistakes, such as names or calculated insertions in act of not writing but

inserting).

CENTER OF INTEREST Begin not from preconceived idea of what to say about image

but from jewel center of interest in subject of image at moment of writing, and write outwards

swimming in sea of language to peripheral release and exhaustion Do not afterthink except for

poetic or P. S. reasons. Never afterthink to “improve” or defray impressions, as. the best writing

is always the most painful personal wrungout tossed from cradle warm protective mind tap from

yourself the song of yourself, blow! now! your way is your only way “good” or

“bad always honest, (“ludicrous”), spontaneous, “confessional” interesting, because not

“crafted.” Craft is craft.

STRUCTURE OF WORK Modern bizarre structures (science fiction, etc.) arise from

language being dead, “different” themes give illusion of “new” life. Follow roughly outlines in

outfanning movement over subject, as river rock, so mindflow over jewel-center need (run your

mind over it, once) arriving at pivot, where what was dim-formed “beginning” becomes sharp—

necessitating “ending” and language shortens in race to wire of time-race of work, following laws

of Deep Form, to conclusion, last words, last trickle Night is The End.

MENTAL STATE If possible write “without consciousness” in semitrance (as Yeats’ later

“trance writing”) allowing subconscious to admit in own uninhibited interesting necessary and so

“modern” language what conscious art would censor, and write excitedly, swiftly, with writing-or-

typing-cramps, in accordance (as from center to periphery) with laws of orgasm, Reich’s

“beclouding of consciousness.” Come from within, out to relaxed and said.

Jack Kerouac, “Essentials of Spontaneous Prose” in Ann Charters, ed., The Portable Beat Reader (New York: Viking, 1992).





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