4.23.2013

A atitude da mente alerta

A ATITUDE DA MENTE ALERTA

MEDITAÇÃO
por Dudjom Rinpoche

Uma vez que tudo se origina na mente, sendo esta a causa raiz de toda a experiência, seja “boa” ou “ruim”, primeiro é necessário trabalhar com sua própria mente, não deixá-la se perder erraticamente. Corte o desnecessário acúmulo de complexidade e fabricações que acolhem confusões na mente. Corte o problema pela raiz, por assim dizer.

Permita-se relaxar e sentir alguma amplitude, deixando apenas a mente ser, tranqüilizar-se naturalmente. Seu corpo deveria ficar parado, a fala silenciosa e a respiração como ela é, fluindo livremente. Aqui, há uma sensação de se soltar, desdobrar-se, deixar-se ser.

Com o que este estado de relaxamento se parece? Você deveria ficar como alguém depois de um dia de trabalho muito duro, exausto e pacificamente satisfeito, a mente pronta para descansar. Algo se ajeita ao nível abdominal e sentindo o descanso em seu abdômen, você começa a experimentar uma leveza. É como se você estivesse derretendo.

A mente é tão imprevisível – não há limite para a criação fantástica e sutil que surge, ou seus humores e aonde ela vai levar você. Mas você também pode experimentar um estado sonolento e semi-consciente à deriva, como se houvesse uma cobertura sobre sua cabeça – uma espécie de torpor de sonho. Este é um modo de quietude, chamado de estagnação, uma cegueira sem mente, turva.

E como você sai desse estado? Alerte-se, endireite as costas, expire o ar viciado para fora de seus pulmões e direcione sua atenção para o espaço claro a fim de trazer frescor. Se você permanecer nesse estado estagnado você não vai evoluir, por isso quando este estado surge, limpe-o de novo e de novo. É importante desenvolver a vigilância, permanecer alerta com sensibilidade.

Assim, a consciência lúcida da meditação é o reconhecimento tanto da imobilidade como da mudança e é a clareza tranqüila de permanecermos pacificamente em nossa consciência básica. Pratique isto, pois só assim realmente experienciamos a fruição e começamos a mudar.

Ver em Ação

Durante a meditação a mente de alguém, estando uniformemente estabelecida em seu próprio modo natural, é como água parada, serena, sem ondulação ou vento; e quando qualquer pensamento ou mudança surge naquela quietude, se forma como que uma onda no oceano, que desaparece nele novamente. Deixada naturalmente, se dissolve, naturalmente. Seja qual for a turbulência da mente que irrompa – se você deixar que seja assim – ela por si própria irá extinguir-se, liberar-se; então a visão a que se chega através da meditação é que tudo o que aparece não é outra coisa senão a auto exibição ou projeção da mente.

Ao continuar na perspectiva dessa visão nas atividades e eventos da vida cotidiana, a apreensão da percepção dualista do mundo como realidade sólida, fixa e tangível (que é a causa raiz de nossos problemas) começa a afrouxar e se dissolve. A mente é como o vento. Ela vem e vai, e através da certeza crescente nessa visão, começa-se a apreciar o humor da situação. As coisas começam a ser percebidas um pouco como irreais, e o apego e a importância que se dá aos eventos começam a parecer ridículos ou pelo menos mais leves. 

Assim desenvolve-se a capacidade de dissolver a percepção, ao continuar o fluxo da consciência meditativa na vida cotidiana, vemos tudo como o jogo auto-manifesto da mente. E imediatamente após a meditação sentada, a permanência nessa consciência ajuda a fazer aquilo que você tem que fazer com calma, tranquilamente, com simplicidade e sem agitação.

Assim, em certo sentido, tudo é como um sonho, ilusório, mas mesmo assim continua-se, com bom humor fazendo as coisas. Se você estiver andando, por exemplo, sem solenidade ou auto-consciência desnecessários, alegremente caminhe em direção ao espaço aberto da verdade tal como ela é. Quando você come seja o reduto da verdade, do que é. Ao comer, alimente as negatividades e ilusões na barriga do vazio, dissolvendo-os no espaço; e quando você estiver urinando considere que todos os seus obscurecimentos e bloqueios estão sendo dissolvidos e lavados.

Até o momento eu falei sobre a essência da prática resumidamente, mas é preciso perceber que enquanto continuarmos a ver o mundo de uma maneira dualista, até que estejamos realmente livres do apego e da negatividade e tenhamos dissolvido todas as nossas percepções exteriores na pureza da natureza vazia da mente, ainda estaremos presos ao mundo relativo de “bom” e “ruim”, “ações positivas e negativas”; devemos respeitar essas leis e estar conscientes e responsáveis por nossas ações.

Pós-Meditação

Após a meditação sentada formal continue essa percepção luminosa e ampla nas atividades cotidianas, em tudo, e gradualmente a consciência será reforçada e a confiança interna irá crescer.

Levante-se com calma da meditação, não pule imediatamente ou com pressa, mas seja qual for sua atividade, preserve um leve sentimento de dignidade e equilíbrio e faça o que você precisar fazer com tranqüilidade e relaxamento de mente e corpo. Mantenha a sua consciência centrada luminosamente e não permita que sua atenção se distraia. Mantenha esse encontro da atenção plena e consciência, apenas siga o fluxo.

Ao caminhar, sentar, comer ou dormir, tenha um sentido de tranqüilidade e presença da mente. Em relação a outras pessoas seja honesto, gentil e simples; geralmente seja agradável em seus modos e não se deixe arrastar por conversas, pontos de vista conflitantes e fofocas.

O que quer que você faça, de fato, faça de acordo com o Dharma, que é a melhor maneira de aquietar a mente e subjugar negatividades.

4.11.2013

Dicas do Kerouac para escrever

http://revistalingua.uol.com.br/textos/79/artigo259329-1.asp

Parece ser uma moda hoje em dia, em sites da internet, artigos de revistas, livros inteiros: listas de conselhos ou dicas para escritores, em geral formulados por autores famosos.

Os tipos de conselho variam muito. Alguns se referem a aspectos práticos: como arrumar a escrivaninha, como organizar os manuscritos, como manter anotações, pesquisas, etc. Outros são conselhos estilísticos, sobre o que se deve ou não se deve colocar numa frase. Ou então conselhos sobre a estrutura de um romance, o desenvolvimento dos personagens, a manipulação do enredo. Enfim: parece não haver nenhum aspecto da escrita sobre o qual não se possa encontrar hoje não apenas manuais inteiros, mas uma quantidade enorme de pequenas dicas que de fato podem ser muito úteis. Principalmente para o autor jovem ou principiante.

Encontrei uma lista assim, elaborada por Jack Kerouac, o autor do clássico romance beatnikOn the Road (traduzido no Brasil como Pé na Estrada). Kerouac era um escritor intuitivo, não muito dado a cerebralismos. Reza a lenda que On the Road foi escrito num único rolo de papel de jornal, que ele enfiou na máquina da escrever e foi usando e desenrolando até terminar o livro, para não perder tempo tirando a página escrita e colocando outra em branco. Isso dá uma medida do grau de espontaneidade que ele procurava. E do quanto essa espontaneidade era frágil, um encantamento que podia ser quebrado por um gesto tão simples e automático quanto o de trocar de lauda.

Intuição
A adaptação do livro para o cinema, pelo brasileiro Walter Salles, com Kristen Stewart (Crepúsculo) encabeçando o elenco, terá seu lançamento mundial no Festival de Cannes em maio, no qual concorre à Palma de Ouro, e estreia no Brasil em 8 de junho. É uma oportunidade de apreciar a obra e um bom pretexto para olhar com atenção os conselhos de Kerouac, que podem ser vistos integralmente no site de Língua, para os que leem inglês, e também estão disponíveis emwww.harbour.sfu.ca/~hayward/UnspeakableVisions/misc/kerouacessentials.html
Não comentarei todos por falta de espaço (são 30 itens). E também porque há alguns que não entendo, embora me pareçam bastante poéticos: "Escritor-diretor de filmes terrenos patrocinados e angelizados no Paraíso". Parece ser uma soma final (é a última dica) do que ele pretendia ser como autor. 

Em todo caso, Kerouac é capaz de conselhos de ordem prática que considero bastante sensatos, como: "Tente nunca ficar bêbado fora de casa". Dicas de método criativo: "Rabisque em cadernos secretos de anotações, ou páginas datilografadas sem método, apenas para seu próprio prazer". Eu diria que a maioria das coisas que ele prega não se dirige a escritores inexperientes, mas a escritores bitolados por excesso de prática (ou por excesso de teoria, que bitola muito mais). 

Como os beatniks em geral, Kerouac queria libertar a energia criativa pura que torna o ato de pensar e o ato de escrever uma única coisa. Daí suas advertências: "Remova suas inibições literárias, gramaticais e sintáticas". "Tiques visionários estremecendo no peito". "As indizíveis visões do indivíduo". "Lute para esboçar o fluxo que já existe, intacto, na sua mente". "Compor de maneira selvagem, indisciplinada, pura, vinda de baixo, quanto mais louca melhor".  

São anticonselhos - justamente o contrário do que vemos na maioria dos manuais de redação. Por quê? Imagino que os manuais se destinam aos autores inexperientes, que são só intuição, desejo, vontade inarticulada de se exprimir; e essa vontade precisa ser disciplinada através de técnicas frias, objetivas, que ponham ordem na casa, isto é, na mente criadora. Kerouac parece estar se dirigindo a escritores já calejados, cheios de malandragens da profissão mas esvaziados de 
fogo criativo. 

ExortaçõesSeus conselhos não são meras exortações retóricas. Alguns são muito perceptivos: "Algo que você sente encontrará sua própria forma".  Creio que ele não se refere ao vago e frouxo "sentir" de quem está meramente com vontade de escrever alguma coisa, mas a um sentimento profundo, urgente, que se transforma numa força irreprimível. Se houver concentração e intensidade, a forma acabará surgindo. 

Certas dicas dele deveriam ser escritas na parede, com pincel grosso: "Não pense em palavras quando ficar bloqueado; procure enxergar melhor a cena". 

Um erro bastante frequente de quem escreve é tentar sair de um atoleiro ou de um "branco" criativo iniciando uma frase, depois outra, outra e mais outra... E todas vão ficando incompletas. O ideal é esquecer a página e se concentrar basicamente na visualização do que está acontecendo na história, para que se possa descobrir um ângulo interessante para mostrar isso, e assim as palavras virão como consequência.

Jack Kerouac diz algumas coisas que são, digamos, mais reflexões espirituais do que propriamente recomendações técnicas literárias com aplicação objetiva. 

"Acredite no contorno sagrado da vida". "Aceite a perda, para sempre". "Apaixone-se por sua vida", entre outras. Mas a quem esse tipo de conselho poderia ser útil? Talvez a pessoas que não têm nada de importante ou relevante acontecendo em si mesmas. 

Esvaziamento
Pessoas para quem escrever é um simples pretexto para publicar um livro, ver sua foto no jornal, dar um coquetel, distribuir autógrafos, fazer-se entrevistar... A obra literária, em si, é uma tarefa chata que precisa ser cumprida, porque sem ela o resto não acontece. O mundo está cheio de escritores assim.

"Apaixonar-se por sua vida", aliás, é um bom conselho para quem quer escrever, e curiosamente não implica vaidade ou narcisismo, mas sim um esvaziamento do ego. 

O grande escritor é aquele que acha a vida algo maior que ele próprio, algo digno de ser escrito; e que acha que o livro que está escrevendo é mais importante do que ele, que o escreve. 

Jack Kerouac foi um escritor que conseguiu ser menor do que os livros que escreveu, e esses conselhos mostram como alcançou essa forma zen de grandeza.


Braulio Tavares é compositor, autor de Contando Histórias em Versos (Editora 34, 2005).btavares13@terra.com.br

Dissolver a auto-importância


A ideia fixa que temos de nós mesmos como sólidos e separados uns dos outros é dolorosamente limitadora. É possível se mover dentro do drama de nossas vidas sem acreditar tão fervorosamente no papel que desempenhamos.
Levar-nos tão a sério, e nos dar tanta importância em nossas próprias mentes, é um problema para nós; nos sentimos justificados em ficar irritados com tudo, nos sentimos justificados em nos autodenegrir ou em achar que somos mais espertos que as outras pessoas.
A auto-importância nos machuca, limitando-nos ao estreito mundo de nossos gostos e desgostos. Terminamos morrendo de tédio com nós mesmos e nosso mundo. Terminamos nunca satisfeitos.
Temos duas alternativas: ou questionamos nossas crenças ou não. Ou aceitamos nossas versões fixas sobre a realidade, ou começamos a desafiá-las. Na opinião do Buda, treinar em permanecer aberto e curioso — treinar em dissolver nossas suposições e crenças — é o melhor uso para nossas vidas humanas.
“The Pocket Pema Chodron
(Weekly quotes from Pema Chodron, 2012-12-19)