9.30.2010

O sol ilumina


novas folhas do platano

manhã de primavera.
Nuvem e vento


vários desenhos

no céu em movimento

Inteligência espontânea:entrevista com Allen Ginsberg

Este blog é um depósito onde coloco coisas essenciais, para tê-las reunidas, para alegria minha e dos demais frequentadores. Esta entrevista é fantástica, envolve muito do que gosto:budismo, poesia e geração beat.
O original está publicado no Dharma Arte, belissimo e valoroso site http://magazine.dharma.art.br/2009/12/inteligencia-espontanea-a/

A pérola está ai, para beneficio de todos, para iluminação geral, para o florescimento da compaixão.

Allen Ginsberg era aluno da Columbia University no início da década de 1940 quando conheceu Jack Kerouac. Juntos, integraram o movimento que mais tarde se tornaria conhecido como a geração beat. Em 1972, ele iniciou seus estudos com Chögyam Trungpa Rinpoche e continuou a praticar na tradição de Shambhala, e também com Gelek Rinpoche. A entrevista a seguir foi realizada pela Tricycle Magazine no apartamento de Ginsberg em Nova York na primavera de 1995, e é publicada com exclusividade em língua portuguesa por Dharma/Arte, em acordo com Tricycle Magazine. As imagens que acompanham esta entrevista foram gentilmente cedidas por Allen Ginsberg Estate, fundação responsável pelo legado de Allen Ginsberg.




Você poderia falar sobre as dúvidas de Alan Watts sobre o “Beat Zen, Square Zen, and Zen” [texto de Watts publicado em 1958 na Chicago Review] e a enorme influência da geração beat na literatura, assim como no budismo nos EUA?



Não acho que Watts percebia que ele próprio passaria seus implementos e seus ornamentos sacerdotais para Gary Snider, que esperasse que Gary adotasse sua linhagem e nela continuasse, ou que Phillip Whalen se tornaria um mestre zen da linhagem de Suzuki Roshi ou que haveria uma universidade budista como Naropa, fundada por outros poetas beat. Watts era um crítico da versão hippie do Zen Beat.



Críticos da geração beat, bem como dos transcendentalistas, costumam ver os dois grupos como tipos religiosos pouco usuais.



Bom, eu sou um budista excêntrico, não medito muito. Não me importo em ser um budista excêntrico. Por que não? Alguém tem de ser um budista excêntrico. Mas todos nós nos comprometemos com nossos mestres e trabalhamos seus ensinamentos por um longo tempo, fizemos o que podíamos dentro de nossas capacidades. Mesmo Burroughs, que definitivamente não é um budista, tem um sabor budista em suas imagens da transitoriedade com um tipo de coragem, um sentido de aventura espiritual e um reconhecimento da vacuidade junto com a compaixão, isso é surpreendente. Mas o sabor da poesia americana definitivamente mudou quando passou a ser permeada pelo sabor budista que agora tem.



O que significa sabor budista na poesia contemporânea?



Consciência de uma prática meditativa, consciência do paralelo entre a prática estética e artística do dharma e a atenção na poética. Interesse na inteligência espontânea. Interesse no tema como sutilmente sendo a mente em si mesma em vez de algo puramente materialista e externo. Talvez algo da doutrina dhármica, como a transitoriedade e “tornar-se amigo de seu ego”, e não a versão anterior, marxista, católica e puritana, que persegue e assassina o ego, decepa sua orelha ou queima seus manuscritos como fez Gogol. Ou escondendo sua homossexualidade como Henry James. Acho que é a ideia de “fazer da sua neurose o caminho” ou “fazer da sua neurose seu animal de estimação” através da consciência, transformando as sobras em tesouro, em vez de lutar contra ela, como outras ideologias fizeram neste século.



O budismo libertou a poesia contemporânea de qualquer fixação ideológica sólida pelo sentido de elegância que T.S. Eliot assinalara ao falar de Henry James como “detentor de uma mente tão refinada que nenhuma ideia poderia violá-la”. E eu diria a mesma coisa de mim [risos] ou de Burroughs. Quero dizer que Burroughs tem um milhão de ideias, mas não torna nenhuma delas sólida, de maneira permanente. Você possivelmente encontrará algum teórico europeu obcecado por uma ideia, marxista, católica ou nacionalista. Não acredito que possa dizer isso de muitos lamas. Na melhor das hipóteses eles têm uma mente tão refinada que nenhuma ideia poderia violá-la ou tornar-se sólida em sua consciência, capturá-los. É como a ideia de “eu” versus “não–eu”, ou forma versus vacuidade: sabedoria coemergente em vez de polarização.



O zen tem um estilo parecido: contraditoriedade, sabedoria louca baseada no fato de que as coisas tanto existem como não existem — verdades relativas e absolutas. Não é preciso abrir um buraco na cabeça para atingir a iluminação. Você pode ter várias ideias contraditórias na cabeça sem pirar, a habilidade negativa de Keats. Claro que você pode sair em busca “do fato e da razão”, desde que isso não seja uma insistência agressiva, irritabilidade que motive a busca do fato. É minha opinião. Mas historicamente há um tipo de respeito pela tradição budista, pelo imaginário budista, pela calma e pela contemplação, pela imperturbabilidade ou implacabilidade budista, pela quietude budista na literatura norte-americana desde os transcendentalistas até Sherwood Anderson, Marsden Hartley, os americanistas. Na linhagem boêmia, sempre houve um pouco de budismo.



Como você entende a espacialidade da América do Norte e o dharmakaya — o céu do espaço da Grande Mente, que tudo engloba?



Uma coisa que sempre notei na escrita de Kerouac — talvez todos os bons escritos transcendentais ou místicos — é que ela inclui um sentido de vastidão do espaço. E a obra de Kerouac possui uma consciência panorâmica, um tema a que ele se refere livro após livro. Cidade pequena, cidade grande tem um capítulo fantástico perto do final: uma visão de um jogo de futebol americano, uma cena no campo, uma cena nas arquibancadas, uma cena nas cabines de transmissão de rádio no alto das arquibancadas, então uma cena no alto das arquibancadas, e as nuvens acima do estádio, o céu vasto, e a câmera recua até o estádio lá embaixo, bem distante. É como um grão de areia no espaço, como diria Trungpa, então, aquela sensação de um espaço que tudo circunda, ou de um espaço que acomoda, ou de uma vastidão panorâmica, ou de espacialidade (mais uma das palavras preferidas de Trungpa), é recorrente na obra de Kerouac. Em Os vagabundos do dharma há muito disso, a intensificação da nostalgia, o reconhecimento da mortalidade e da transitoriedade, a compaixão pelo herói e uma tomada bem do alto, olhando de cima uma cena, como em um sonho. Sempre achei que a identificação feita por Trungpa do espaço em si mesmo e da espacialidade com a mente comum é um genial trabalho de tradução, de um conceito a outro, do dharmakaya ao espaço em si mesmo, e isso me levou a reconhecer que frequentemente a pedra-de-toque de Kerouac, ou seu ponto de referência, está nos poucos pontos no tempo nos quais tudo se abre para esse espaço e há um panorama do mundo suspenso nesse espaço. Ele retratou isso em romances, que são como “montanhas e rios sem fim”.


Quando você fala dessa linhagem de boêmia em relação à geração beat, o que a faz americana?




O aspecto pragmático. Também o desenvolvimento da espontaneidade na poesia, na pintura e no cinema. Também, em vez de habitar abstratamente, a distância, textos onde não há mestre, na verdade, buscamos e conseguimos alguns mestres. Fui para a Índia conscientemente atrás de um mestre.



Essa viagem foi em 1962?



Sim. Na verdade encontrei muitos deles, mas não achei nenhum com quem trabalhasse na época. Mas minha intenção era encontrar um mestre e descobrir “os segredos do Oriente”. Era simples assim. E encontrei mestres com quem mais tarde trabalhei nos EUA.



Esse impulso para encontrar um mestre nunca parece ter preocupado Kerouac.



Como escrevi no prefácio de Pomes all sizes, de Kerouac (City Lights, 1993): a qualidade mais pura de Kerouac era sua compreensão de que a vida é realmente um sonho (“um sonho já acabado”, ele escreveu), sendo também real, tanto real como um sonho, ambos ao mesmo tempo. A realização do sonho como a quididade deste universo penetrou a inteligência espiritual de todos os escritores beat em diferentes níveis, tanto a desconfiança de Burroughs de todos os “fenômenos sensoriais aparentes”, o Evening sun turned crimson de Herbert Huncke, a agudeza paradoxal de Corso — como em “A Morte, encondendo-se debaixo da pia da cozinha: ‘Eu não sou real’, gritou. ‘Sou apenas um boato espalhado pela Vida’ ”.



Mas a doutrina da consciência de sunyata — vacuidade —, com toda sua sabedoria transcendental que inclui consciência panorâmica, vastidão das cidades marítimas, uma apreciação bem-humorada dos mínimos detalhes do grande sonho, especialmente a “personagem na desoladora solidão desumana”, está mais clara e consistentemente estabelecida no corpo da prosa, da poesia, dos ensaios e de tudo de Kerouac.



Atualmente, temos uma boa noção, ainda que de certa forma surpreendente, do que o movimento beat produziu. Você tem alguma noção de onde isso tudo levará?



Tenho uma noção muito clara. Recentemente estive pensando muito sobre como a filosofia básica budista da compaixão de um bodhisattva para com os seres sencientes vai em sentido absolutamente contrário ao do pensamento político mais recente, de esquerda ou direita, em todo o mundo. Este é mais e mais “darwinista”. Aparentemente, o mundo caminha rumo ao caos, aos grupos armados, ao colapso dos governos centrais, a um colapso “da lei e da ordem”. Burroughs me mandou um artigo da Harper’s que retratava o caos emergente nos grandes países enquanto os pequenos países se dissolvem sob grupos armados.



Isso parece com o que Burroughs escreveu 15 ou 20 anos atrás, em Wild boys.



Sim. E aquele artigo era um esboço prático do que está acontecendo agora. Como os sérvios não podem controlar os sérvios da Bósnia, e os sérvios da Bósnia não podem controlar milícias internas menores, e isso se repete nas grandes cidades, onde as classes mais baixas estão ficando mais e mais isoladas, e os ricos mais ricos, com seguranças e telas de TV em suas portarias no estilo Park Avenue. Há mais e mais concentração de riqueza nas mãos de menos pessoas nos EUA, e mesmo com a melhor economia do mundo, ainda que todos tivessem o mesmo dinheiro, incendiaríamos ecologicamente o planeta. Essa é uma ideia inteiramente nova, que não haverá reparação à destruição imperial, e que não haverá “justiça econômica”. Esse é o ponto, junto com o lugar-comum de “expectativas menores” até mesmo para crianças de classe média alta. É uma situação paradoxal em que você quer um mundo civilizado, mas, em contrapartida, como você pode manter seu mundo civilizado quando os demais estão passando fome? E há as guerras civis no exterior, na América Latina, África, que também ocorrem nas ruas da América do Norte. Demagogia sobre homogeneidade e imigração está tomando forma tanto na América do Norte como na Alemanha. Quanta imigração você pode suportar? Então há todos os argumentos sobre quanto restringimos as reservas dos países que arruinamos por tomar refúgio aqui.



A Preposição 187.*



Sim, dado o desemprego atual, quantas pessoas mais podemos assimilar? E quantas pessoas podemos sustentar neste sistema social, ou a Europa pode manter no sistema social universal controlado pelo Governo de saúde e educação, quando há tal desemprego lá? A população está envelhecendo e há menos gente para pagar por isso, então, há argumentos óbvios para restringir a imigração em massa. Há argumentos sensatos, e também reacionários, mas a visão budista é a de uma compaixão universal e justa em todos os lugares. O único limite é que não deveria haver uma “compaixão idiota”. Você faz o que pode, que seja prático, mas a filosofia básica do budismo é o oposto do darwinismo.



Um budista conservador diria que permitir a entrada de muitas pessoas é compaixão idiota?



Sim, poderia dizer isso, mas a filosofia central é a da compaixão, e não a noção darwinista da sobrevivência do mais forte. A noção central é dar espaço em vez de agarrar-se a ele e fazê-lo seguro. Penso que o budismo tem uma tremenda sabedoria para neste momento contribuir no imenso dilema da vida política em todo o mundo, i.e., quais são os limites da compaixão? Quais são os limites em nossa relação com o caos e como nos relacionamos com o caos? Atualmente, politicamente falando, as noções budistas fundamentais são, realmente, radicalmente diferentes da filosofia de vida generalizada que é assumida como verdade entre os intelectuais, mesmo os intelectuais liberais.



Qual é a melhor maneira de continuar a introduzir a compaixão na política?



Bom, penso que todos têm uma inclinação natural para a compaixão. Ela acaba sendo encoberta pelas frustrações, pela ignorância, más experiências, karma negativo, mas, como dizem, por baixo disso, todos têm uma natureza búdica, que é compassiva. É exatamente o oposto da visão hobbesiana, para a qual sob todo homem há um animal rosnando. Basicamente, essa visão negativa está por trás de muitas filosofias neoconservadoras e até mesmo liberais. De certa forma, o ponto do budismo é ouro puro. Não acho que já tenha sido elevado popularmente a fonte de encorajamento, como inspiração política ou pessoal. O sentido generalizado de cinismo entre as gerações mais jovens, o sentido de alienação, a falta de sentimento, encerrar-se na tela de uma TV, a pseudoexperiência de zapear canais realmente não representam as emoções mais profundas que os mais jovens ou os mais velhos têm. As gerações mais antigas tinham a visão multimídia CIA-revista Time-NBC-CBS — uma negação igualmente cínica do coração, e uma ênfase na política hiper-racionalista que é igualmente imperfeita. O assim chamado “inimigo” dos mais jovens, as mídias de plástico, é um inimigo mais antigo do que correntemente se diz.





Há algum motivo para sermos otimistas?



Bem, pessoalmente, sim. Todos têm uma vida para viver e têm uma tendência de bodhisattvas, todos querem fazer o bem, então, penso que, no âmbito pessoal, sim. Em uma escala maior, parece não haver nenhuma esperança, a menos que a compaixão se torne o mais disseminado e importante ensinamento sobre como viver. Compaixão por si e pelos outros.



9.26.2010

As regras de Jack Kerouac para a prosa espontânea

Jack Kerouac's Rules of Spontaneous Prose



1. Scribbled secret notebooks, and wild typewritten pages, for yr own joy


2. Submissive to everything, open, listening


3. Try never get drunk outside yr own house


4. Be in love with yr life


5. Something that you feel will find its own form


6. Be crazy dumbsaint of the mind


7. Blow as deep as you want to blow


8. Write what you want bottomless from bottom of the mind


9. The unspeakable visions of the individual


10. No time for poetry but exactly what is


11. Visionary tics shivering in the chest


12. In tranced fixation dreaming upon object before you


13. Remove literary, grammatical and syntactical inhibition


14. Like Proust be an old teahead of time


15. Telling the true story of the world in interior monolog


16. The jewel center of interest is the eye within the eye


17. Write in recollection and amazement for yourself


18. Work from pithy middle eye out, swimming in language sea


19. Accept loss forever


20. Believe in the holy contour of life


21. Struggle to sketch the flow that already exists intact in mind


22. Dont think of words when you stop but to see picture better


23. Keep track of every day the date emblazoned in yr morning


24. No fear or shame in the dignity of yr experience, language & knowledge


25. Write for the world to read and see yr exact pictures of it


26. Bookmovie is the movie in words, the visual American form


27. In praise of Character in the Bleak inhuman Loneliness


28. Composing wild, undisciplined, pure, coming in from under, crazier the better


29. You're a Genius all the time


30. Writer-Director of Earthly movies Sponsored & Angeled in Heaven



9.25.2010

O amor pelo lugar

Alguns não entendem,
dizem que é apego e tudo mais,
este amor pelo lugar, pelas árvores que plantei,
pelo vento que vem do mar e que traz o cheiro dos campos
das planicies alagadas, dos arrozais.
Acham estranho, dizem:
e o budismo? tão apegado ainda
decerto não aprendeu nada.
seja como for, ignorância ou teimosura
ainda penso no Passo do Vigário
com amor redobrado em cada folha de grama.

Para não me sentir só ou talvez para me justificar um pouco
deixo aqui o poema do mestre Carlos Drumond de Andrade

Confidência do Itabirano


Alguns anos vivi em Itabira.

Principalmente nasci em Itabira.

Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.

Noventa por cento de ferro nas calçadas.

Oitenta por cento de ferro nas almas.

E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.



A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,

vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.



E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,

é doce herança itabirana.



De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:

esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,

este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;

este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;

este orgulho, esta cabeça baixa...



Tive ouro, tive gado, tive fazendas.

Hoje sou funcionário público.

Itabira é apenas uma fotografia na parede.

Mas como dói!

9.23.2010

quieto amanhecer



um canto de pássaro


enfeita o silêncio

9.22.2010

Hai kai

uma a uma



flores caindo


sobre a grama

9.16.2010

entrevista com o Manoel de Barros


A inventividade e o primitivismo da poesia de Manoel de Barros


Publicado em 07 de maio de 2010



Wilker Sousa







Desde seus Poemas Concebidos sem Pecado, de 1937, Manoel de Barros publicou 20 livros. Avesso ao epíteto de “Poeta do Pantanal”, uma vez que “a poesia mexe com palavras e não com paisagens”, Manoel faz travessuras com a linguagem, “desaumatizando” a percepção de mundo: “Escrevo o idioleto manoelês archaico (idioleto é o dialeto que os idiotas usam para falar com as paredes e com as moscas). Preciso atrapalhar as significâncias. O despropósito é mais saudável que o solene” (Livro sobre Nada, 1996). O substrato de sua arte está essencialmente no universo pantaneiro, povoado de passarinhos, rãs, lesmas, pedras e rios. Porém, antes de simples ambientação e pretexto para o memorialismo, o Pantanal converte-se em poesia por meio do uso “reinventivo” da linguagem; daí a recusa a rótulos como aquele.



Tais eixos temáticos e estilísticos perpassam toda a obra de Manoel de Barros, em um dos projetos mais coerentes da lírica brasileira. Em seu mais novo livro, Menino do Mato, permanecem o primitivismo e o retorno à inocência perdida, simbolizados no tema da infância: “A maneira de dar canto às palavras o menino / aprendeu com os passarinhos”. Na esteira deste lançamento, é publicada a compilação de sua obra completa, o que permite ao leitor assistir ao desenrolar de mais de sete décadas dedicadas ao fazer poético. Nesta entrevista, concedida à CULT por e-mail, o poeta de 93 anos fala de seu novo livro, da pouca recepção de sua obra pela crítica especializada, e comenta princípios que norteiam sua poesia.



CULT – A exemplo de Memórias Inventadas III (2007), Menino do Mato (2010) remonta ao tema da infância. Após muitas décadas dedicadas à poesia, suas obras mais recentes simbolizam o fechamento de um ciclo que retorna ao primitivo?



Manoel de Barros – Acho que não retorno ao primitivismo. Por antes acho que continuo primitivo, vez que meu caminho seria para encostar na semente da palavra, ou seja: o início do canto. Porque o ser humano começa a se expressar pelo canto.





CULT – Uma das marcas centrais de sua poesia é a tentativa de alcançar aquilo que está antes da palavra, ou seja, a sensibilidade primeira que desencadeia a poesia. Poderíamos então afirmar que a formação do poeta Manoel de Barros se deu fundamentalmente na infância?



Manoel – Eu fui abençoado por uma infância no mato. Não tínhamos vizinhos, não havia outras casas, outros meninos. Só nós – eu e dois irmãos. E o chão de formiga e de lagartixas. A mãe não tinha tempo de nos levar ao colo. O pai campeava. E a gente brincava de inventar brinquedos. Fui na luta para a poesia depois.





CULT – O trabalho com a linguagem em seus poemas revela a possibilidade que ela possui de alargar os horizontes do “primitivo” ou, ao contrário, é reflexo da impossibilidade de alcançar a essência poética?





Manoel – Eu sempre quis o criançamento da palavra. Eu sempre desejei o despropósito das palavras. A palavra que produzisse a melodia letral. Que sempre me parecesse a essência poética do absurdo.



CULT – Sua obra escapa a rótulos, como “poesia do Pantanal”, “poesia de folclore e costumes”, entre outros. Como definir a poesia de Manoel de Barros?





Manoel – Sabemos nós que poesia mexe com palavras e não com paisagens. Por isso não sou poeta pantaneiro, nem ecológico. Meu trabalho é verbal. Eu tenho o desejo, portanto, de mudar a feição da natureza, pelo encantamento verbal.





CULT – Ao longo de sua obra, o senhor criou diversas metáforas para designar a poesia. Qual a sua favorita?



Manoel – Acho que a favorita e que algumas pessoas citam é: poesia é voar fora da asa.





CULT – O fato de não ter acumulado uma fortuna crítica o incomoda? Na sua opinião, a que se deve certa resistência da crítica com relação à sua obra?





Manoel – Já tenho respondido sobre isso. Conversei uma vez com o bibliófilo José Mindlin, que era meu grande amigo, sobre essa rejeição da crítica pela minha poesia. Mindlin me afirmara que minha poesia, por não ter rima nem métrica, seria uma evolução ou uma revolução na poesia. Pois que não usando métrica nem rima, uso a melodia letral ou a harmonia silábica.



CULT – Como o poeta Manoel de Barros gostaria de ser lembrado?



Manoel – Gostaria de ser lembrado como um ser abençoado pela inocência. E que tentou mudar a feição da poesia.





Fonte: Revista CULT

http://revistacult.uol.com.br/home/2010/05/voar-fora-da-asa/

Postado por Claude Bloc às 11:02

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Hai kai

tão linda
tão breve
flor da ameixeira

dogma

Uma proposta para hoje: tentemos falar com outros em seus próprios termos, deixando que sejam como são, interessando-nos por eles, sem tentarmos trazê-los para nossa cena e sem nos fecharmos entre os que pensam como nós. Não parece ótimo?




A fim de ajudar alguém, primeiro eleve sua cabeça e ombros. Então, não tente converter as pessoas ao seu dogma, mas apenas as encoraje. Independentemente da profissão que tenham — quer sejam fazendeiros, advogados ou taxistas —, primeiro, eleve sua consciência, e então converse com eles com as palavras deles. Não tente fazer com que se juntem ao clube Shambhala ou à cena budista ou a qualquer coisa assim. Apenas deixe que sejam como são. Tomem um drinque juntos, jantem, saiam — mantenha a simplicidade.



O ponto principal definitivamente não é fazer com que se tornem membros de sua organização. Esse é o ponto menos importante. O ponto principal é ajudar os outros a serem, à sua própria maneira, bons seres humanos. Não tentamos converter as pessoas. Elas podem converter-se por si próprias, apenas mantemos contato com elas. Usualmente, em qualquer organização, as pessoas não conseguem deixar de arrastar os outros para a sua cena ou sua viagem, por assim dizer. Esse não é o nosso plano. Nosso plano é assegurar que os indivíduos, quaisquer que sejam, tenham uma vida boa. Ao mesmo tempo, deveríamos estar em contato com as pessoas, da maneira que pudermos. Isso é muito importante, não porque tentamos converter os outros, mas porque queremos nos comunicar.



Chögyam Trungpa, “Helping Others” (Ajudando os outros), in Great Eastern Sun (Sol do Grande Leste)

http://pontos.dharma.art.br/dogma-0

9.15.2010

Buddhism and Kerouac on How to Blog | elephant journal

Buddhism and Kerouac on How to Blog elephant journal

Getting Started!
Want to reach a wider audience but don’t know where to start? Believe it or not, the Buddhist tradition offers deep insight into how to blog to make the world a better place. In this post, I combine Jack Kerouac’s Rules for Spontaneous Prose with the three tenets of the Zen Peacemakers to derive some simple practical tips for joining the global conversation. Kerouac was a great teacher to me of the Zen Peacemaker’s first two tenets (Not-Knowing and Bearing Witness), although I eventually looked elsewhere for inspiration regarding how to apply the insights of Not-Knowing and Bearing Witness through action in the world. I list appropriate rules from Kerouac under each tenet.

1. Not-knowing
22. Don’t think of words when you stop but to see the picture better.
5. Something you feel will find its own form.
24. No fear or shame in the dignity of yr experience, language & knowledge
29. You’re a genius all the time
10. No time for poetry but exactly what is
13. Remove literary, grammatical and syntactical inhibition
I scrutinized, hesitated and edited for months regarding my first blog post. When I talked to my Zen teacher about it, she gave me a koan: how do you step off the 100 foot pole?
You just do it! I was crippled by fear of how readers would receive my writing. It turned out that that first post went ignored and later posts that I rattled off in a few minutes received several hundred views. You can’t know ahead of time! The important thing is to let go of our expectations regarding quality and reader interest and just get in the habit of sharing. Be thoughtful and adapt your style according to response, but watch out for getting hung up on ideas of what you should be writing.

2. Bearing Witness
1. Scribbled secret notebooks, and wile typewritten pages, for yr own job
2. Submissive to everything, open, listening
15. Telling the true story of the world in interior monolog
Once you’ve put aside ideas about what you should or shouldn’t be writing, look around. What moves you? What makes you happy? What makes you sad? What makes you excited? Readers will relate if you share your genuine reactions to the world. How can we bypass the ruminations of the head and touch readers at the heart, helping them feel what you feel? Pictures help, as do attention-getting headlines and subsections. Most people scan first on the web as opposed to carefully reading long chunks of text.

3. Loving Action
While Kerouac embodied the first two tenets, I don’t think he embodied the 3rd tenet as Zen Peacemakers’ defines it. He observed and commented on the suffering of the world, but didn’t take actions to alleviate it (to my knowledge).
Digital technology create new opportunities. We no longer need to sit idly by as corporations dictate the airwaves. Through blogging, we can become the media and use it to create the society we want. Elsewhere, I’ve explained how the internet could help us build a global community committed to reducing suffering and also seven practical ways we could use online media to make the world a better place.

9.14.2010

Mais umas do Manoel de Barros

Manoel de Barros - O Poeta Fingidor


Manoel de Barros diz a verdade quando afirma que é mentiroso. Com histórias inventadas, ele construiu para si uma biografia - e também uma obra poética imaginativa e fascinante

Por Nina Rahe




Manoel de Barros gosta mais de viajar por palavras "do que de trem" - e é por isso que todas as manhãs, na rotina de vadiagem com as letras, ele se fecha no "escritório de ser inútil", onde diz ter sossego de pedra. Inventou um dialeto, o "manoelês", de onde foram pinçadas as expressões acima. Hoje com 93 anos, esse advogado de formação e fazendeiro por necessidade conseguiu - depois de muito trabalho para tornar o negócio da terra rentável - comprar seu ócio e ser exclusivamente poeta. Em Campo Grande (MS), onde mora numa casa modesta, de tijolos aparentes, com sua mulher, Stella, dedica-se a não "fazer nada" - que é como ele chama o escrever. O resultado desse ócio pode ser visto em seu novo livro, Menino do Mato, e, em retrospecto, na volumosa Poesia Completa, também recentemente lançada. Autor de uma série de livros chamada Memórias Inventadas (A Infância, A Segunda Infância, A Terceira Infância), Manoel de Barros diz que escrever o que não acontece é a tarefa de poesia. E é no escritório - onde ele passa horas para encontrar um verso que fique em pé - que a sua imaginação desabrocha. Ali, cercado de livros e de miniaturas de santos e animais, ele me recebeu algumas vezes para conversar, com o intuito de fazer esta reportagem. "Esses dias veio um outro jornalista aqui. Tive que mentir para ele tudo que estou agora mentindo para você", diz Manoel, rindo.



Quando afirma que mente, Manoel de Barros diz a verdade. Em uma entrevista concedida ao jornalista José Castello há alguns anos, por exemplo, ele contou que se encontrava com um grupo de psicanalistas uma ou duas vezes por semana para tomar umas cervejas. Elas achavam que sua poesia comprovava as teorias do francês Jacques Lacan (1901-1981), líder da escola seguida por elas. "Eu falo, e elas ficam impressionadíssimas", disse ele na ocasião. Passados mais de dez anos dessa declaração, no entanto, Manoel já não se lembra mais. " Lacanianas?" - ele ri - " Pode ser que eu tenha mentido. Eu sou muito mentiroso".



Manoel diz que herdou da mãe a sensibilidade, coisa que, segundo ele, "é transmitida pelo sangue". Alice Pompeu de Barros era aluna de violino na cidade de Cuiabá, no Mato Grosso. Casou cedo e, para acompanhar o marido, mudou-se para o Pantanal. Manoel era ainda criança, e a mãe, acumulando as funções de lavadeira, cozinheira e passadeira, guardou a música apenas em sua lembrança. Até aí, tudo verdade. Mas para o jornalista Ricardo Câmara, que está escrevendo a biografia do poeta, Manoel descreveu uma cena emocionante: ele contou que, antes de se mudar, a mãe tocou pela última vez seu violino, pois achava que no Pantanal não haveria lugar para música. "Pode ser que eu tenha falado isso, mas foi invenção", diz. E explica: "É uma invenção possível. Podia ser que ela tivesse tomado uma atitude dessa; no fundo, era uma verdade que ela queria fazer isso". Mentira, para Manoel de Barros, é dizer que se vai comprar pão quando se vai a outro lugar qualquer. Já imaginação é coisa profunda e, na imaginação, Manoel pode fazer com que se cumpra o destino da mãe. Num dos poemas do livro Menino do Mato, no poema V, Alice arranja uma horinha para seu violino no meio do Pantanal e toca Vivaldi para a família toda. Mentira? Nada disso. Para Manoel, é aí que começa a poesia.



O PINTOR QUE NÃO EXISTE



Se o poeta é um fingidor, como dizia o português Fernando Pessoa (1888-1935), a sua dor (ainda que fingida) não é menos verdadeira. Desde o falecimento de seu filho João na queda de um avião monomotor, Manoel de Barros "não sai de dentro de si nem para pescar", como ele próprio diz num poema. Abandonou as caminhadas, as idas ao Pantanal e as viagens anuais para o Rio de Janeiro. E, embora a reclusão não tenha rarefeito a poesia, palavras como abandono, tristeza e solidão habitam o novo livro. Em Menino do Mato, não há possibilidades de sair daquele "lugar imensamente e sem nomeação", que "quase só tinha bicho solidão e árvores", e era preciso "desver o mundo para expulsar o tédio". Em seus primeiros anos no Pantanal, Manoel ficava meio solto no chão - era o menino do mato. Ali entrou em "estado de árvore", depois em "estado de palavra", para só assim poder "enxergar as coisas sem feitio" - eis, em manoelês castiço, o resumo de sua arte poética. O novo livro é expressão dessa infância vivida na terra, em um lugar virgem e absolutamente solitário, onde a poesia já era o brincar com as palavras. "Era a nossa maneira de sair do enfado", diz um dos poemas.



Por volta dos dez anos de idade, Manoel deixou de se sentir "como um pedaço de formiga na estrada". Foi estudar no Rio de Janeiro e chegou a morar durante um ano em Nova York, onde desenvolveu a sensibilidade para as artes. Tomou gosto por Paul Klee, Marc Chagall, Van Gogh e Pablo Picasso. Acha que tal viagem influenciou decisivamente sua poesia. "Eu tinha um sentimento muito primitivo da vida e da literatura. Queria escrever em guarani", afirma sem esconder o riso. Já disse em entrevistas, no entanto, que seu pintor preferido era o boliviano Rômulo Quiroga, o que fez com que alguns passassem a procurar por suas obras. Outra mentira: Rômulo é, na verdade, apenas uma criação poética, inspirada em um pintor de paredes. "Eu achei o nome bacana e aí inventei esse negócio".



Ouvir Manoel contar suas histórias é ficar em dúvida permanente. Eis uma delas: num dia, cumprindo o caminho entre a fazenda que possui no Pantanal e Campo Grande, resolveu parar em um boteco. Fez a curva, avançou na entrada do local e se esqueceu de frear o carro. Só foi se lembrar quando estava praticamente em cima do balcão. Em uma segunda conversa, pergunto mais detalhes. Ele me olha num misto de dúvida e riso. "O senhor inventou?", pergunto. "Não, não, é verdade. Aconteceu mesmo". E o poeta emenda mais uma história: quando estava dirigindo rumo à fazenda, depois de muita chuva e com uma estrada enlameada, seu carro deu três cambalhotas. Além dele, estavam como passageiros a mulher e os filhos. "Ninguém se machucou". Ainda bem.



TIRO NA TESTA



Depois de finalizar Menino do Mato, Manoel pensa no próximo livro. Pretende fazer uma homenagem a Bernardo - em "manoelês", "um homem percorrido de existências, que faz encurtamento de águas, a quem os camaleões estão favoráveis e para quem os passarinhos aveludam seus cantos". Analfabeto, Bernardo trabalhou na fazenda de Manoel e pouco falava. "Não sabia nem o nome das letras de uma palavra, mas soletrava rã melhor que mim", escreveu sobre o amigo. Assim, Bernando acabou se transformando em personagem da obra do poeta, além de um dos seus de seus alter-egos mais recorrentes - presente em Livro de Pré-Coisas (1985), O Guardador das Águas (1989) e, mais recentemente, em Menino do Mato.



Em 2003, Bernardo morreu no Asilo São João Bosco, em Campo Grande. Sem documentos, sobraram poucas informações sobre ele: era solteiro, moreno e evangélico, diz no registro do asilo. Mas Manoel nega que Bernardo tivesse religião. Talvez tivesse tendência para, já que era totalmente preso à natureza. Enterraram-no embaixo de uma árvore. "Pelo menos isso, vai escutar os passarinhos", o poeta diz."Ele era inteiramente primário e inocente como uma criança, e essa inocência foi o que pregou nas minhas palavras", conta Manoel. "Eu o conheci como santo, e queria retribuir fazendo um Bernardo que chegasse a ser, literariamente, um santo".



O poeta tem muito medo do mistério de Deus. Diz que não consegue entender como pode uma borboleta voar sem motor nas costas enquanto o homem precisa ter motor a óleo. Uma vez, ele encontrou seu vizinho no telhado da casa, vestindo uma roupa diferente. "O que você vai fazer?", perguntou. "Eu vou voar", respondeu o homem. Tentou desaconselhá-lo, mas o vizinho já estava convencido, com sua asa nas costas, de que sairia voando. Pulou e quase morreu. "E é verdade. Não é mentira não", avisa Manoel, antes que alguém duvide.



Talvez seja este mesmo mistério que explique sua "saúde irritante", como ele gosta de chamar. Dor de cabeça só conhece de nome, e fica mesmo espantado quando as pessoas descrevem como ela é. "Para você, morrer só com um tiro na testa", advertiu o médico. "Não foi para mim não que ele disse isso, foi para um amigo", mais tarde corrige, com um cuidado surpreendente com a verdade. Mas para Manoel a frase também funciona. Palavra é para ele coisa que ocupa o dia inteiro; e a noite também, já que vez ou outra sonha com elas. Toma logo nota - se deixar para depois, esquece - e durante a sua vagabundagem no escritório, o sonho ajuda a concluir uma poesia ou outra. Sonhos, mentiras e palavras - elementos que, somados, resultam numa das obras mais surpreendentes e fascinantes da literatura brasileira.



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Nina Rahe é jornalista.



OS LIVROS

Menino do Mato, de Manoel de Barros. Editora Leya Brasil, 96 págs., R$29,90.

Poesia Completa — Manoel de Barros, de Manoel de Barros. Editora Leya Brasil, 496 págs., R$69,90.


Retirei de http://bravonline.abril.com.br/conteudo/literatura/manoel-barros-poeta-fingidor-574757.shtml

9.13.2010

flores do ipê
devagar
aprendi a ver

9.08.2010

"Viva um dia de cada vez...não tente se apressar,ajeitando as coisas para amanhã,pois amanhã pode nunca vir a ser. Aproveite plenamente o dia de hoje; faça as coisas maravilhosas q sempre quis fazer, nâo de qualquer maneira e apressadamente, mas com verdadeira alegria!"

Eileen Cady