6.29.2005

Retrato de Dogen contemplando a Lua

Espírito de frescor e clareza cobre o velho da montanha neste outono.
Um burro olha espantado para o teto celeste; a resplancente lua branca vagueia.
Nada se aproxima. Nada mais se inclui.
Flutuante, deixo-me ir - pleno de mingau, pleno de arroz.
Vivamente agitado da cabeça aos pés,
Céu acima, céu abaixo, eu enevoado, origem da água
Dogen

6.23.2005

Destemor

Verso Cinquenta sobre a natureza da consciência
"Quando compreendemos que as aflições nada mais são que iluminação,
Podemos deslizar em paz nas ondas de nascimento e morte,
Navegando no barco da compaixão, cruzamos o oceano da ilusão,
Com um sorriso, sem medo."

O Jardineiro não corre atrás das flores, nem foge do lixo. Aceita e cuida de ambos. Não tem apego a um e rejeição ao outro, pois vê que a natureza de amboas é a interexistência. Ele fez as pazes com a flor e com o lixo. O bodhisattva lida com as aflições e a iluminação da mesma maneira que o jardineiro habilidoso lida com as flores e o lixo - sem discriminação. Ele sabe como fazer o trabalho de transformação e, por isso, não tem mais medo. Essa é a atitude de um Buda.

(do livro "Transformações na consciência de Thich Nhat Hanh)

6.22.2005

Diário de Zé da Vaca - fragmento

Penso num poema
Que escapa
Entre os dedos
Entre as teclas
Sonoro e estranho
Um poema
Que não se percebe importante
Que não se reconhece como irmão
Que não sabe ser amável
(já que não é máquina)
mas está feliz
solto na folha rabiscada
estranho entre ameixas desenhadas
capturado por linhas monótonas
limitado entre páginas
o poema
que saiu assim sem querer.
Como sempre...

Diário de Viagem - I

Calor sufocante, agosto de 2003 em Belém do Pará.
Troteando nas ruas ensolaradas perseguindo a sombra de enormes mangueiras.
Caminho distraído até o Teatro da Paz onde encontro a Beleza nos bancos da praça,
no piso do coreto,
nos azulejos das fachadas,
no esplendor, na cor do enorme teatro,
nas árvores centenárias esquecidas pelo tempo.
No povo sossegado.
Derretendo de calor prossigo minha jornada
nas ruas ensolaradas da Belém que entrou em meus olhos
sem pedir permissão, sem promessas vãs.
Na feira do Ver-o-Peso entre frituras de peixe e olhares furtivos
meu amigo era confundido com o deputado Babá.
Vi açaí em tigelas com farinha de mandioca,
filés de pirarucu gordos como porcos.
Cerveja Cerpa gelada na confusão de pessoas
Confusão de frutas nas bancas
Sapoti, murici, uxi, abricó, castanha
Ingá de metro, graviola, taperebá,
E nas bancas dos peixes, montanhas de camarão seco, lingüiça de búfalo e rocambole de pirarucu
Dezenas de tipos de farinha de mandioca, amarelas e brancas
E o calor aumentando.
Movimentação de pessoas, um formigueiro humano, uma enorme criatura viva - a feira
alimentada de açaí e peixe frito, maniçoba e tacacá.
Artesanatos no prédio azul, cerâmicas, xícaras e artefatos da floresta.
E logo após as ervas
Vários aromas em garrafadas dependuradas nas bancas
Cura para todos os males
Remédios esquisitos com pedaços de jibóia ou sexo de boto.
Olhares atentos de biopiratas de alta tecnologia e sem coração
Filmando espantados as poções mornas nas garrafas de mil cores
Observando tudo, planejando, consumindo mac donalds disfarçados de bauru tucupi tacacá
Apenas observações - não se espante ainda
Praça dos urubus, parada seguinte
Barcos de pesca encostados e vísceras de peixes espalhadas no sol tropical
Água de tripas piscianas e excrementos aquáticos, urubus sempre comendo e bosteando
peixe seco nas calçadas, vôos rasantes entre os prédios.
Belém que ficou colada na minha retina
Na experiência do bosque Rodrigues Alves
Observando um peixe boi
Ouvindo papagaios
Curtindos as pacas
Fugindo dos lagartos
Observando as araras
Escutando os macacos discutindo solenemente
E formigas assassinas caminhando entre as folhas caídas
(uma delas mordeu meu pé e doeu até a nuca)
Arvores gigantescas, pré-históricas, ancestrais
E a sensação de estufa, muita umidade e o calor derretendo o corpo
Um lago com tambaquis
Chafarizes europeus no meio da selva
Um grupo dança o carimbó
Mulheres de vestido vermelho no sol filtrado pela floresta
Dançarinos girando na poeira do solo amazônico
Os patos fugindo do tucupi
Os camarões indo para o tacacá
Igrejas gigantescas
Belém do pará


6.14.2005

Um dia de chuva para você

goiabas, sete-capotes e os pássaros
um rapidamente pousa
na sacada etérea
onde imagino todas coisas
que posso perceber entre frestas e clarões
não o que sinto mas o que percebo
mais do que a emoção é capaz
mais do que posso entender
entre a chuva e eu
entre eu e todas coisas
que imagino
com corpo-mente
sem sintonizar essas mensagens
continuamente chegando do vazio.


(Extraído dos "Diários de Zé da Vaca" vol.III)

Poemas de Sonic Byrd

Eu sei que você viu
o poeminha do canteiro
acenando febrilmente.
Mas como perceber?
Dia-a-dia
Cartão-ponto
café e pronto
taquicardico e tonto
ziguezagueando

de bobeira esperando uma solução