8.29.2012

Haikai

vento de inverno
espalha por ai
flores de ipê

8.06.2012


Escolhendo os copos para a cerveja
Agachado entre as prateleiras
Olha um, olha outro
Vejo que ele pensa no futuro
Em qual sua alegria será maior
Qual deles impressionaria mesmo
Ele sentia o mundo pequeno
O mundo era um ponto
O tempo todo era assim
Ele sabia de tudo isso
segurando os copos
e indeciso pensando na doçura da vida

3.27.2012

Conclusão da Meditação

Ao fazer meditações lamrim*, é importante saber claramente a condição mental que você quer chegar como a conclusão da meditação. Textos lamrim descrevem o objetivo de cada meditação, e queremos garantir que nossa mente chegue a essa conclusão e não a uma conclusão incorreta ou irrelevante.




Por exemplo, ao meditar sobre as desvantagens do pensamento centrado no ego, nossa mente pode distorcer essa meditação e concluir: “sou uma pessoa horrível por ser tão egoísta”. Essa é a conclusão errada que se chega com essa meditação. O Buda não ensinou as desvantagens do centramento no ego para que ridicularizemos a nós mesmos.



Se você meditar em um tópico lamrim e chegar a uma conclusão incorreta, a meditação não foi feita corretamente. No caso acima, pensar “sou uma pessoa ruim por ser tão egoísta”, indica que não compreendemos o objetivo da meditação e provavelmente caímos em um velho hábito de nos colocarmos para baixo. Pare e pergunte a si mesmo:



“Qual conclusão o Buda quer que eu chegue a partir dessa meditação?”. Ele quer que eu tenha certeza que a mente centrada no ego é o verdadeiro “inimigo”, que destrói minha felicidade. O centramento no ego não é uma parte intrínseca de mim; não é quem eu sou. Trata-se de um pensamento incorreto, mas profundamente enraizado, que cria problemas para mim. Posso me libertar disso. Já que quero ser feliz, vou compreender essa atitude egoísta pelo que ela é, e vou parar de seguí-la! Em vez disso, vou cultivar amor e compaixão por todos os seres.”



Essa é a conclusão que você quer chegar.

Thubten Chodron

3.09.2012

Ryokan, mone zen e poeta.

Riôkan, monge e poeta zen "Daigù Riokan, da Escola Soto Zen "monge-poeta deixou como precioso legado um grande número de poemas: são cerca de mil e quatrocentos poemas em estilo japonês e outros quatrocentos e cinquenta em estilo chinês, além de cem hai-kais e um epistolário. São poemas que fazem desse simples itinerante, um dos grandes nomes da literatura mundial. Mas talvez o seu exemplo maior esteja na sua simplicidade de vida, no seu amor aos outros, na sua paixão pela lua e pela natureza, no seu amor às crianças e ao sakê. Em síntese, nas pequenas e singelas coisas que traduzem a magia do cotidiano", escreve Faustino Teixeira, professor do PPG em Ciência da Religião da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). É também membro do ISER-Assessoria do Rio de Janeiro.




Eis o artigo.



“Se quer conhecer

o verdadeiro coração

deste monge,

escuta a voz do vento

sob o céu estrelado”

(Riôkan)



Como indica com acerto Giuseppe Jisô Forzani, em sua obra sobre a filosofia japonesa (Torino, 2006), o zen budismo não é propriamente uma filosofia em sentido teorético ou sistemático, mas mais uma “trama existencial”, com traços religiosos, filosóficos e experienciais intimamente relacionados. O zen é sobretudo um “posicionamento de fundo nos confrontos da vida”, onde a prática é o exercício mesmo da vida, ressignificada pela experiência contemplativa, de modo a favorecer a percepção viva da unidade de fundo que preside a existência humana.



Um dos caminhos mais precisos para se acessar o universo zen é através das narrativas de seus mestres, monges e poetas. São impressionantes histórias de vida, tecidas por humildade, capacidade de acolhimento e hospitalidade e, sobretudo pela generosa dinâmica de compaixão universal. Um desses belos exemplos de vida podemos encontrar no monge e poeta Daigù Riokan, da Escola Soto Zen, que viveu no Japão entre os anos 1758 a 1831. Ele vem hoje reconhecido com um dos grandes expoentes da literatura japonesa, como poeta e mestre da simplicidade. O seu nome vem lembrado por escritores e poetas japoneses, como no caso de Kawabata Yasunari (1899-1972), prêmio nobel de literatura em 1968, que o citou cinco vezes em seu discurso durante a cerimônia de recebimento desse prestigioso benefício. Na visão de Luigi Soletta, essa admiração japonesa pelo “monaco pazzo”, como também vem reconhecido, traduz um desejo de redescobrir as próprias raízes culturais e espirituais, num tempo marcado pela opacidade, intransparência e incerteza. É um monge poeta que aponta para um horizonte distinto do apresentado na sociedade de mercado, pontuada pela lógica da produtividade e da eficácia a todo custo. Traz consigo um ideal de simplicidade, de alegria, gratuidade e amor à criação, de generosidade e compaixão. Há que reconhecer que, para alem do distante arquipélago japonês, esse poeta-monge tem muito o que oferecer e comunicar a todos nós.



Ryôkan nasceu na vila portuária de Izumosaki, na região de Echigo, atual província de Niigata, no Japão, em 1758. Seu pai, Inan Yamamoto, era um personagem importante e culto, com singular tarefa na administração de sua cidade. Sua mãe, Hideko, provinha da ilha de Sado. Riôkan era o mais velho dos filhos, tendo adquirido o nome de Eizo em seu nascimento. O destino que dele esperavam era o de seguir os passos do pai na administração pública, o que não ocorreu. Desde muito cedo o jovem Eizo manifestou grande interesse pela leitura. Naquela ocasião, o processo de aprendizado se dava em casa ou nos templos budistas. Isso ocorreu com Eizo (Riôkan), que aos 12 anos ficou sob a responsabilidade de Ômori Shiyô (1736-1792), com quem se aplicou ao estudo dos clássicos chineses, sobretudo Confúcio. Talvez tenha começado nesse tempo o seu interesse em favor do crescimento espiritual e de insatisfação com o modo de vida secular.



Por volta dos dezoito anos passa por uma experiência novidadeira. Com o olhar voltado para a bela ilha de Sado, terra natal de sua mãe, ouve o badalar do sino do templo de Kôshôji, mas aquele som ecoou de forma distinta em seu coração, como jamais havia sentido, proporcionando-lhe grande emoção. Nascia naquele instante sua vocação de monge budista, que se concretiza em julho de 1775, quando deixa a casa paterna para entrar no templo de Kôshôji, da tradição Soto Zen. Como ele mesmo escreveu, “muitos homens se tornam monges e depois praticam o Zen. Mas eu pratiquei o Zen por muito tempo, antes de me tornar monge”. É nesse momento que recebe o nome de Riôkan, que significa “bom e muito generoso”, passando a receber o aprendizado de Mestre Genjô Haryô. Ali permanece por cerca de quatro anos, transferindo-se depois para o templo de Entsùji (na atual província de Okayama), sob a orientação de Mestre Kokusen Dainin (1723-1791). Tratava-se de um dos mais importantes mestres Zen de seu século. A empatia entre mestre e discípulo logo aconteceu. Era o encontro do jovem monge com um grande mestre, que por sua vez reconhece os dons incomuns do discípulo. Esteve ali nesse templo, em profundo aprendizado, por cerca de doze anos. A disciplina era bem rígida, com o dia começando às três horas da manhã e finalizando por volta da vinte e uma horas. Apesar da riqueza dos livros e textos sagrados colocados à disposição no templo de Entsùji, o Mestre Kokusen, na linha da tradição Zen, insistia na centralidade da prática: da experiência particular, do aprendizado singular em contato com o mundo concreto. Durante um curso dado por Kokusen sobre o Shôbôgenzo de Dôgen (1200-1253), essa grandiosa obra do fundador da Escola Soto no Japão, ocorreu uma experiência reveladora para o jovem Riôkan. A obra era para ele, mais do que um ojbeto de estudo, mas a possibilidade concreta de colocar em prática a disciplina Zen. Veio despertado, sobretudo, pelo apelo em favor do amor, presente no texto de Dôgen, Ai Go (Palavras de Amor):



“Durante a nossa inteira existência, com a nossa força de vontade, torna-se necessário pronunciar palavras de amor. De geração a geração, de existência em existência, não se esquecer jamais de pronunciar palavras de amor. Graças a tal florescimento, os inimigos se reconciliam e os homens sábios e virtuosos tornam possível a paz. Quando alguém recebe diretamente palavras de amor, o seu rosto se ilumina de alegria e o seu coração de contentamento”.



Aos 32 anos de idade, Riôkan vem por Kokusen nomeado responsável pelos monges do templo Entsùji, e um ano depois, em 1791, recebe de seu mestre a inka, ou seja, o reconhecimento de sua maturidade espiritual e a permissão para a difusão de seu pensamento. Como sinal desse novo momento de seu Caminho (Via), ganha o nome de Tai Gu (Grande Idiota), recebendo igualmente de seu mestre um bastão em madeira pulida de glicínia, em forma de montanha. É o bastão que o acompanhará por toda a vida.



Após esse longo período de aprendizado, tem início os anos de sua peregrinação. Retorna à sua região natal, e por oito anos busca encontrar um lugar para acolher sua vocação de monge mendicante. Circula pela vila de Gomotô, antes de encontrar guarida no eremitério de Gogo An, na montanha Kugami, nas redondezas de Izumosaki. Ali reside por cerca de doze anos. Em local de admirável atmosfera, Riôkan reafirma sua vocação de contemplativo. São por ele considerados os anos mais felizes de sua vida, quando alcança sua maturidade espiritual e artística. A ocasião faz irradiar de seu coração a veia poética que sempre o marcou:



“Na sombra das árvores

da montanha Kugami

nessa cabana

gostaria de viver minha velhice”.



O seu estilo de vida simples, pontuado por lindos traços de gratuidade brota vivo de sua poesia:



“Desde quando cheguei a este lugar

muitos anos se passaram.

Quando estou cansado, descanso;

quando estou bem, pego as sandálias e caminho.

Não me preocupo com o louvor dos outros,

nem me lamento de seu desprezo.

Com este corpo, recebido dos pais

abandono-me ao meu destino,

alegremente”.



O projeto maior de sua vida estava na busca e na itinerância. Não se conformava em ficar estabelecido num único lugar. O seu coração era dotado ao movimento, sempre disponível ao suave canto das coisas:



“Nascido para ser monge itinerante,

como podia fixar-me um longo tempo.

Tomei o meu cantil, dei adeus ao mestre,

contente de partir para outros cantos.

De manhã, buscava o alto das montanhas,

à noite, atravessava as sombrias correntes do mar.

Basta uma só palavra para desfalecer,

prometi não deter-me por toda a vida”.



“Desde jovem, deixei tintas e pincel,

desejoso de seguir a Via dos Sábios.

Com um cantil e uma tigela,

peregrinei por muitas primaveras.

Voltando à região natal, vivo sozinho,

numa cabana sob as montanhas.

O canto dos pássaros é a minha música;

As nuvens do céu, os meus vizinhos.

Na água que brota da rocha

lavo os meus velhos panos.

Os pinheiros e os carvalhos da montanha

fornecem-me a lenha.

Na tranqüilidade e na paz

passarei os meus dias,

por toda a vida”.



Em seu ideal despojado de vida eremítica e mendicante, Riôkan pautava-se por três grandes objetivos: a meditação, a liberdade interior e a compaixão, bem na linha dos grandes mestres que o inspiraram desde sempre: Buda Sakyamuni, Bodidarma e Dôgen. Como síntese de seu ensinamento, uma vida simples, desapegada e preenchida de dom e compaixão:



“Minha vida é simples,

confiada ao querer do Céu.

Três porções de arroz no alforje,

um feixe de lenha na lareira.

Nenhum traço de ciência ou ignorância:

fama e riqueza não são senão poeira.

Chove esta noite em minha cabana;

estendo as pernas ao meu prazer.



Livre das paixões, me aconchego contente;

nada pode apagar os meus desejos.

Um pouco de verdura basta para a minha fome,

uma veste para agasalho no inverno.

Quando caminho, seguem-me os cervos,

canto e as crianças respondem-me em coro.

Lavo o meu rosto sob a rocha,

conforto-me com os pinheiros da montanha”.



Não precisava de muito para ser feliz, mas das pequenas e singelas coisas do cotidiano:



“Minha casa esconde-se na floresta.

A cada ano, a hera se avoluma sempre mais.

Não me chegam as notícias do mundo,

sinto apenas o canto dos mateiros.

Exposto ao sol, remendo minhas vestes;

contemplo a lua, canto hinos sagrados.

Este é o meu conselho:

poucas coisas bastam para ser feliz”.



A doçura era um outro traço de sua vida, que se irradiava como um perfume e vinha reconhecida por todos, mas sobretudo pelas crianças, que o circundavam a todo momento:



“Todos os dias, sem exceção,

vou jogar com as crianças.

Trago duas ou três bolas em meu bolso;

sou um homem inútil, mas feliz,

nesta paz primaveril”.



O segredo de sua paz de espírito estava, talvez, na diuturna prática da meditação, tecida ao longo da sua vida. Passou pelo duro exercício da ascese e da purificação, de superação dos apegos e da busca serena da “Grande Morte”, ou seja, da superação do eu egocêntrico e da afirmação do Si fundamental, que habita o fundo do coração. Tinha viva consciência da impermanência de todas as coisas. Dizia: “Como o invólucro de uma cigarra, este mundo aparente é transitório”. Tudo é como uma nuvem branca que passa, como um eco que ressoa e depois desaparece. Junto à consciência da impermanência, a alegria de um coração que se doa: “Se o coração é puro, todas as coisas são puras”. Livre dos apegos e animado pela consciência da Kênose, vibra em seu ser o apelo em favor do outro. Dizia num lindo poema: “Se a minha veste fosse tão larga, gostaria de cobrir todos os sofrimentos que habitam o mundo”. Há lindas histórias sobre essa sua prática efetiva em favor dos outros. Numa delas, relata-se seu encontro com um mendicante numa fria manhã de outono. Tomado de compaixão por ele, reparte o pouco de arroz conseguido nas suas andanças, e doa o seu kimono. Assim firmava-se sua alegria de viver.



Depois de passar doze anos no eremitério de Gogo An, reside um período no santuário xintoísta de Otogo, e relata em poema:



“Desde rapaz estudei literatura,

mas não me tornei um mestre:

pratiquei também o Zen,

mas não cheguei a transmitir a lâmpada.

Vivo agora numa cabana,

junto a um templo xintoísta.

Em metade, padre xintoísta,

em metade, monge budista”.



Aos sessenta e nove anos, em 1826, transfere-se para a vila de Shimazaki, numa pequena casa para ele construída por seu amigo Kimura Motoemon. Depois de duas décadas de vida eremítica, transcorre seus últimos quatro anos junto aos seus queridos. Trata-se de um período que dá remate à sua peregrinação espiritual no caminho Zen. Nesse momento derradeiro ocorre uma nova luz em sua vida, quando se encontra com a monja Teishin, no outono de 1827. Nasce entre os dois uma grande amizade, que será cantada em muitos poemas. Os dois eram poetas. A entrada de Teishin na vida de Riôkan, na plena flor de seus vinte e nove anos, significou um verdadeiro dom na vida do monge-poeta e um grande conforto para a sua velhice. Em poema dedicado a Teishin, canta Riôkan:



“Não tenho nada a te oferecer:

recorde-me de mim,

cada vez que olhar

a flor de lótus

no pequeno vaso”.



“Se o teu coração

permanece constante

como a hera,

viveremos unidos

por mil gerações”.



O monge Riôkan adoece em abril de 1830, e seu estado de saúde foi aos poucos se agravando. Seguindo o ritmo natural das coisas, foi se apagado serenamente, findo a falecer no dia 6 de janeiro de 1831, com a idade de setenta e quatro anos. Seguindo o caminho dos grandes mestres Zen, morreu em posição de meditação. Morreu sereno, como expresso num tradicional Hai-Kai:



“Mostrando o dorso,

mostrando a face,

caem as folhas”.



Alguns dias antes de sua morte, o monge-poeta escreveu com sua bela caligrafia, um poema a seu amigo Yamada Tokô, também lembrada pelo grande escritor japonês, Kawabata Yasanari:



“Como recordação,

quero deixar

as flores da primavera,

o canto do cuco de verão,

as cores do outono”.



Esse grande monge-poeta deixou como precioso legado um grande número de poemas: são cerca de mil e quatrocentos poemas em estilo japonês e outros quatrocentos e cinquenta em estilo chinês, além de cem hai-kais e um epistolário. São poemas que fazem desse simples itinerante, um dos grandes nomes da literatura mundial. Mas talvez o seu exemplo maior esteja na sua simplicidade de vida, no seu amor aos outros, na sua paixão pela lua e pela natureza, no seu amor às crianças e ao sakê. Em síntese, nas pequenas e singelas coisas que traduzem a magia do cotidiano.

2.23.2012

A Verdadeira Era das Trevas

A Verdadeira Era das Trevas

por Miguel Berredo 22/02/2012


Por Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche

“The Buddhist Channel”, 30 de janeiro de 2012

Himachal Pradesh, India



Algumas pessoas dizem que a era das trevas, a era do vício – kaliyuga (o último dos quatro estágios que o mundo atravessará como parte do ciclo dos yugas descritos nas escrituras indianas), está acontecendo agora, ou no mínimo, se iniciará em breve. Alguns até mesmo temem que no final de 2012, o mundo do modo como o conhecemos, irá terminar.



Mas, o que determina se uma era é das trevas ou de ouro? Quais os sintomas e sinais? Terremotos, um céu púrpura, atividades meteóricas, estes não são presságios do juízo final, como nos fizeram crer.



Do mesmo modo, querubins voando, uma economia proeminente, liberdade de informação e tempos pacíficos não são necessariamente sinais de uma era de ouro.



A era de ouro ocorre quando as pessoas valorizam sentimentos como a empatia e o perdão, quando têm disposição para compreender o ponto de vista dos outros e se sentem contentes com o que possuem.



Quando tais valores são sistematicamente sabotados, então se pode dizer que o amanhecer do dia do juízo final já começou. Quando olhamos um mendigo inofensivo como sendo uma praga e invejamos os bilionários que destroem o planeta estamos contribuindo para o início do fim.



Como o Buda ensinou, tudo depende de causas e condições. Eras das trevas e eras de ouro não são uma exceção. Elas não são predestinadas, nem imprevisíveis ou caóticas.



O destino é algo condicionado. Nosso próprio “eu” determina tais causas e condições. Você pode criar seu destino, suas escolhas são o seu destino. Aquilo que somos e como somos nesse momento depende daquilo que fizemos no passado. E o que seremos no futuro depende do que somos e como somos agora.



Sakyamuni com seus pés de lótus, pode aproximar-se da sua porta e oferecer sua tigela, mas se continuarmos obcecados por relógios Patek Philipe, fama e amigos, ou por um abdômen malhado, então a verdade do Buda irá nos incomodar, se tornará uma verdade inconveniente.



Muito embora possamos estar no meio da Kaliyuga – sujeitos a uma infinidade de causas e condições de uma época de escuridão, facilmente distraídos e presos a pensamentos ligados a nossa própria auto-preservação e aspirando encontrar referenciais em valores materialistas ou consumistas – podemos tirar vantagem dessa situação.



Diz-se que durante os tempos de degenerescência a compaixão dos Budas e dos Bodisatvas se torna ainda mais fortalecida. Alguém espiritualmente capacitado pode tirar proveito dessa situação. A era da escuridão pode ser como um lembrete da urgência e da preciosidade do Buda, do Darma e da Sanga.



Como seres que dependem de condições, temos que buscar a luz, e cultivar as condições que nos tragam luz. Precisamos constantemente nos lembrar do oposto do materialismo. Para isso, precisamos da imagem do Buda, do som do Darma, e da estrutura da Sanga.



Nos últimos anos perdemos algumas das maiores manifestações do Buda, como Kyabje Trulshik Rinpoche, Mindroling Trinchen Rinpoche e Penor Rinpoche, que foram grandes inspirações e lembranças. Mas, embora essas manifestações tenham se dissolvido, tenha em mente que a sua compaixão desconhece o significado das limitações.



Dentro do espírito de onde há uma demanda, há uma oferta, devemos ter aspirações e anseios de que as manifestações dos Budas e Bodisatvas nunca cessem, e – usando um termo da moda – que seus renascimentos sejam rápidos.



Mas tal renascimento não deve se limitar à figura de uma criança tibetana, criada no interior da tradição e de uma cultura particular. Podemos aspirar que os Budas renasçam de todas formas, mesmo como algo aparentemente tão insignificante como uma brisa, para nos lembrar de valores como amor, compaixão e tolerância.



Devemos gerar um campo magnético para que miríades de manifestações do Buda possam surgir e não apenas tulkus que slata de trono em trono ou que dirigem um Rolls Royce, produtos muitas vezes de um nepotismo religioso.







Dzongsar Jamyang Khyentse Rinpoche, também conhecido como Khyentse Norbu, é um lama butanês, cineasta e escritor. Seus dois filmes mais importantes são A Copa (1999) e Viajantes e Mágicos (2003). Ele é o autor do livro “O Que Faz de Você Ser Budista?”.



Tradução Brenda Neves. Revisão Letícia Ramos, Miguel Berredo e Carmen Jinpa.